domingo, 23 de março de 2014

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA SEXTA-FEIA NA RÁDIO DIANA/FM

                                           Para já, tarde demais

Sexta, 21 Março 2014 10:14
Admiti falar hoje do famigerado Manifesto dos 70. Optei, no entanto, por não o fazer e por comentar o que esta semana veio dizer o Senhor Presidente da República sobre as eleições europeias, também porque aquilo que o Manifesto dos 70 veio dizer foi essencialmente o óbvio. Sem, contudo, reconhecer que o óbvio já deveria ter sido dito e defendido há mais tempo e que tinham razão os que sempre consideraram que o pagamento da dívida pública teria de ser, no mínimo, dilatado no tempo.
Reestruturar, renegociar, reescalonar (a dívida), são tudo palavras que podem querer dizer o mesmo se, para cada uma delas, não for definido o seu alcance. Como nunca ninguém quis efectivamente definir cada uma dessas palavras no contexto português actual, todas significaram sempre o que cada um quis que significassem. E o facto é que a dívida tal qual estava inicialmente escalonada, não poderia nunca ser paga sem que fosse alterado o seu modo de pagamento. Razão pela qual, o Governo, sempre que se aproxima a data de vencimento de parte da dívida, em vez de a amortizar, substitui-a. Portanto, o Manifesto vale pela proposta concreta em si e por ficarmos a saber que um conjunto de personalidades conhecidas, afinal, também acha que a dívida não pode ser paga tal como estava previsto.
Mas, esta semana, veio o Senhor Presidente da República declarar que a campanha eleitoral para as eleições europeias deveria centrar-se em temas europeus. Já aqui o tinha dito: 28 anos depois da adesão à então CEE, já era tempo de discutir a União Europeia. Infelizmente, ainda não é desta. E não é desta, porque, como em qualquer Estado-membro – Portugal não é excepção – só os partidos do Governo, quando o Governo está com a popularidade em baixo, é que têm interesse, por razões óbvias, em discutir a Europa e temas europeus. No entanto, quando o Governo está em baixa, os partidos da oposição querem é discutir matérias nacionais. E como as matérias nacionais são as mais próximas dos cidadãos, são estas que prevalecem. No caso concreto português há, ainda, uma agravante: é que o cabeça-de-lista da coligação “Aliança Portugal” iniciou a pré-campanha eleitoral dizendo que estas eleições europeias iriam ser um teste à liderança do Partido Socialista. Ou seja, também nos partidos do Governo o mote é, chamemos-lhe assim, luso-português. Não há, pois, volta a dar: a campanha para o Parlamento Europeu, a menos que algo de absolutamente imprevisível venha a acontecer daqui até ao dia 25 de Maio e que possa envolver a Europa no seu todo, vai centrar-se em assuntos nacionais - ainda que temas europeus possam vir lateralmente à baila.
Dito isto, e dando razão ao conteúdo do que disse o Presidente da República, a verdade é que os sucessivos Governos nacionais e, portanto, os respectivos partidos, é que são os principais responsáveis por não se discutir a União Europeia nunca, nem mesmo em época de eleições europeias. Este Governo, o actual, dispôs, aliás, de uma oportunidade extraordinária para construir um discurso europeu ao longo destes 2-3 anos, o que lhe conferiria, agora, uma autoridade – e utilidade – enorme, até de carácter reivindicativo, face ao caminho que percorreu. Ter optado por negligenciar a União Europeia, retirou-lhe a possibilidade de poder centrar, agora, o debate, como pretende o Presidente da República, nas questões europeias. Pensar que o CDS, partido que já teve tradições no debate europeu, forneceu a este Governo o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e não construiu esse discurso europeu, isso é que me deixa desconfortável. Agora, para já, é tarde demais.
 Lisboa, 20 de Março de 2014
Martim Borges de Freitas

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