Sexta, 21 Março 2014 10:14
Admiti falar hoje do famigerado Manifesto dos 70. Optei, no
entanto, por não o fazer e por comentar o que esta semana veio dizer o Senhor
Presidente da República sobre as eleições europeias, também porque aquilo que o Manifesto dos 70 veio dizer foi essencialmente o
óbvio. Sem, contudo, reconhecer que o óbvio já deveria ter sido dito e
defendido há mais tempo e que tinham razão os que sempre consideraram que o
pagamento da dívida pública teria de ser, no mínimo, dilatado no tempo.
Reestruturar, renegociar, reescalonar (a dívida), são tudo
palavras que podem querer dizer o mesmo se, para cada uma delas, não for
definido o seu alcance. Como nunca ninguém quis efectivamente definir cada uma
dessas palavras no contexto português actual, todas significaram sempre o que
cada um quis que significassem. E o facto é que a dívida tal qual estava
inicialmente escalonada, não poderia nunca ser paga sem que fosse alterado o
seu modo de pagamento. Razão pela qual, o Governo, sempre que se aproxima a
data de vencimento de parte da dívida, em vez de a amortizar, substitui-a.
Portanto, o Manifesto vale pela proposta concreta em si e por ficarmos a saber
que um conjunto de personalidades conhecidas, afinal, também acha que a dívida
não pode ser paga tal como estava previsto.
Mas, esta semana, veio o Senhor Presidente da República
declarar que a campanha eleitoral para as eleições europeias deveria centrar-se
em temas europeus. Já aqui o tinha dito: 28 anos depois da adesão à então CEE,
já era tempo de discutir a União Europeia. Infelizmente, ainda não é desta. E
não é desta, porque, como em qualquer Estado-membro – Portugal não é excepção
– só os partidos do Governo, quando o Governo está com a popularidade em baixo,
é que têm interesse, por razões óbvias, em discutir a Europa e temas europeus.
No entanto, quando o Governo está em baixa, os partidos da oposição querem é
discutir matérias nacionais. E como as matérias nacionais são as mais próximas
dos cidadãos, são estas que prevalecem. No caso concreto português há, ainda,
uma agravante: é que o cabeça-de-lista da coligação “Aliança Portugal” iniciou
a pré-campanha eleitoral dizendo que estas eleições europeias iriam ser um
teste à liderança do Partido Socialista. Ou seja, também nos partidos do
Governo o mote é, chamemos-lhe assim, luso-português. Não há, pois, volta a
dar: a campanha para o Parlamento Europeu, a menos que algo de absolutamente
imprevisível venha a acontecer daqui até ao dia 25 de Maio e que possa envolver
a Europa no seu todo, vai centrar-se em assuntos nacionais - ainda que temas
europeus possam vir lateralmente à baila.
Dito isto, e dando razão ao conteúdo do que disse o
Presidente da República, a verdade é que os sucessivos Governos nacionais e,
portanto, os respectivos partidos, é que são os principais responsáveis por não
se discutir a União Europeia nunca, nem mesmo em época de eleições europeias.
Este Governo, o actual, dispôs, aliás, de uma oportunidade extraordinária para
construir um discurso europeu ao longo destes 2-3 anos, o que lhe conferiria,
agora, uma autoridade – e utilidade – enorme, até de carácter reivindicativo,
face ao caminho que percorreu. Ter optado por negligenciar a União Europeia,
retirou-lhe a possibilidade de poder centrar, agora, o debate, como pretende o
Presidente da República, nas questões europeias. Pensar que o CDS, partido que
já teve tradições no debate europeu, forneceu a este Governo o Ministro dos
Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e não
construiu esse discurso europeu, isso é que me deixa desconfortável. Agora,
para já, é tarde demais.
Lisboa, 20 de Março de 2014
Martim Borges de Freitas
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