quarta-feira, 19 de junho de 2013

COLABORAÇÃO DO DR. JOSÉ LABOREIRO

                             A Cultura e as Universidades Seniores

 «O Estado promoverá a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, à fruição e criação cultural, através de organizações populares de base, colectividades de cultura e recreio, meios de comunicação social e outros meios adequados».
 (in “Constituição da República Portuguesa – 1976”; Capítulo IV, artigo 73º, alínea 3)

Acerca da importância da Cultura no seio de uma sociedade, diz-nos Victor de Sá (in “Sociedade e Cultura”): “A competição do futuro vai desenvolver-se no plano da cultura e da inteligência. É, de facto, um novo humanismo que se estrutura. Serão os povos com mais elevado nível cultural e científico os que alcançarão a supremacia. Serão os povos que mais promovam a investigação e os que melhor pratiquem a pedagogia, os que mais estimem e sobrelevem os seus homens de ciência e de pensamento, os seus professores e os seus artistas, aqueles que obterão o comando dos outros povos, não já para os subjugar  -  porque a ciência é incompatível com a opressão  -  mas para os guiar na senda do progresso.” Por sua vez, em 1911, João de Barros  -  no âmbito das preocupações da I República em promover um cidadão culto, responsável, consciente, promotor da autêntica Democracia  -  escreveria que “o homem vale, sobretudo pela educação que possui, porque só ela é capaz de desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao máximo em proveito dele e dos outros... Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e conjugado das forças individuais, por seu turno desenvolvidas em toda a plenitude. E só se pode fazer progredir e desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua, incessante e persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico, intelectual e moral”. E seria em sequência da instauração da I República Democrática, que se assistiria à disseminação das Universidades Populares (promovidas por Bento de Jesus Caraça, António Sérgio e Ferreira de Macedo)  -  instituições que  -  a par da formação profissional  -  promoviam um desenvolvimento cultural (complementado  com conferências, visitas a exposições de artes plásticas, concertos de música erudita, mesas-redondas com debates, despertar do gosto pela leitura  -  como o prova  a criação de bibliotecas populares e a institucionalização entre nós dos livros de bolso (mais acessíveis economicamente).
Contudo, esta onda de entusiasmo cultural, seria interrompida pela instauração da Ditadura do Estado Novo (regime obscurantista que ensombrou a Democracia com a perseguição à criação cultural livre, com a limitação à cultura e educação  -  só acessível às classes economicamente mais favorecidas, com a perseguição aos professores e artistas democratas (independentemente da sua incontestável competência), com a censura à livre opinião  -  em livro, jornal, teatro, filme ou artes plásticas). Regredimos com a instauração da “arte oficial”: inclusivamente, extinguiram-se as Universidades Populares.
Com a eclosão da Revolução de Abril de 1974, abriram-se concomitantemente as esperanças numa liberdade de criação cultural: e da possibilidade de uma cultura democrática desenvolver, em cada cidadão, mercê do estímulo a uma ginástica da mente plena (como queria António Sérgio), tanto as capacidades para desmontar um programa eleitoral, como a preparação cívica para mergulhando no passado   -  interpretar o presente e lançar pontes prospectivas para o futuro individual e colectivo; desenvolver, em cada um de nós, os instrumentos que permitam a plena fruição de um livro, de um filme, de uma peça de teatro, do debate de uma conferência, a opinião sobre uma exposição de Pintura, um programa de Televisão ou um artigo de jornal; que nos abra perspectivas à preservação do património de modo a sabermos transmiti-lo às gerações vindouras: seja o património construído e imaterial, seja ele artístico, cívico ou político (a Democracia).
E, constatemos, a Revolução de Abril  -  apesar do período político de sombras que atravessamos -  conseguiu fazer da geração presente, o escol mais bem preparado em termos de capacidades culturais e científicas: mercê da abertura do ensino a todas as possibilidades financeiras, e da amplitude geográfica da Universidade e do Politécnico (embora, ressalve-se, estejamos a viver  -  mercê do agravamento das desigualdades económicas, e de um desnorte consumista  -  uma época de neo-liberalismo desenfreado que decepcionaria políticos e sociólogos progressistas (lembrando-me de Gilles Lipovetsky).
Saliente-se que a aculturação não apenas se poderá obter, mediante a frequência dos bancos da Universidade (não é forçoso que assim seja): os escritores e poetas Antunes  da Silva, Mário Ventura, Aquilino Ribeiro, Manuel da Fonseca, Florbela Espanca, José Saramago, António Aleixo  -  não se preocuparam com o grau universitário; o mesmo sucedendo com Baptista-Bastos: apenas tiveram  -  mercê do seu talento, da sua preocupação auto-didacta e do seu gosto por uma aturada leitura  -  uma virtude que os levou a deixarem-se contaminar, face às ideias e às observações que teceram, pelos acontecimentos, pela vida, pelas contradições, pelos absurdos, e também pelas alegrias e vitórias do mundo social que os envolvia. Como também o crítico de artes plásticas Reis Santos (especialista em arte flamenga) e o historiador de arte Túlio Espanca, eram auto-didactas. Para estes intelectuais, “o caminho fazia-se caminhando” (lembrando o poeta galego António Machado): e fazia-se com a leitura, a observação, a experiência, o trabalho, o contacto, o convívio.
E seria, novamente em liberdade, em sequência do “25 de Abril”,  que se assistiria ao Movimento das Universidades Seniores  -  sendo a Universidade Sénior de Montemor-o-Novo  uma das pioneiras: movimento que surgiria como instrumento de aculturação (através do convívio, da osmose de ideias, do debate saudável, da leitura, dos eventos culturais).
Assim, no cumprimento do seu 15º ano de existência, o presente ano lectivo iniciar-se-ia, nesta Universidade Sénior, com uma Conferência em redor do valor da aprendizagem na aculturação, onde  -  a dado momento  -  foi recordada a afirmação de Bento de Jesus Caraça: “Eduquemos  e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade  -  o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais”. E encerraria o ano escolar, com a representação (pelo grupo cénico da Universidade Sénior) da recriação da Fábula “A Cigarra e a Formiga” (de Esopo e La Fontaine)  -  “dramatizada” por Carlos Cebola, e encenada por Victor Guita  -  de onde se depreenderia a demanda, a procura, o propósito da luta pela concertação social: afinal, o preceito cívico da passagem, da transição, do “eu” solitário ao “nós” solidário.
Assim prossegue a Universidade Sénior de Montemor-o-Novo, precisamente nas premissas da afirmação de José Guimeno: “Devemos antes defender uma determinada atitude comprometida  -  com um projecto democraticamente elaborado que sirva um  modelo flexível de indivíduo e sociedade”: no propósito de integração de cada um de nós (Professores e Alunos), conscientemente formados, numa vida social, que a todos abarca.


José Alexandre Laboreiro

1 comentário:

Anónimo disse...

Sendo também as Universidades Séniores contributivas "para o envelhecimento activo".

Parabéns José Alexandre Laboreiro por mais este oportuno e interessante trabalho.

A. Fontes Coelho