A Cultura e as Universidades Seniores
Acerca da
importância da Cultura no seio de uma sociedade, diz-nos Victor de Sá (in “Sociedade e Cultura”): “A competição
do futuro vai desenvolver-se no plano da cultura e da inteligência. É, de
facto, um novo humanismo que se estrutura. Serão os povos com mais elevado
nível cultural e científico os que alcançarão a supremacia. Serão os povos que
mais promovam a investigação e os que melhor pratiquem a pedagogia, os que mais
estimem e sobrelevem os seus homens de ciência e de pensamento, os seus
professores e os seus artistas, aqueles que obterão o comando dos outros povos,
não já para os subjugar - porque a ciência é incompatível com a
opressão - mas para os guiar na senda do progresso.” Por
sua vez, em 1911, João de Barros - no âmbito das preocupações da I República em
promover um cidadão culto, responsável, consciente, promotor da autêntica
Democracia - escreveria que “o homem vale, sobretudo pela educação que possui, porque só ela é
capaz de desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a
elevarem-se-lhe ao máximo em proveito dele e dos outros... Educar uma sociedade
é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e conjugado das forças
individuais, por seu turno desenvolvidas em toda a plenitude. E só se pode
fazer progredir e desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua,
incessante e persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice
aspecto: físico, intelectual e moral”. E seria em sequência da instauração
da I República Democrática, que se assistiria à disseminação das Universidades
Populares (promovidas por Bento de Jesus Caraça, António Sérgio e Ferreira de
Macedo) - instituições que - a
par da formação profissional - promoviam um desenvolvimento cultural
(complementado com conferências, visitas
a exposições de artes plásticas, concertos de música erudita, mesas-redondas
com debates, despertar do gosto pela leitura
- como o prova a criação de bibliotecas populares e a
institucionalização entre nós dos livros de bolso (mais acessíveis
economicamente).
Contudo, esta
onda de entusiasmo cultural, seria interrompida pela instauração da Ditadura do
Estado Novo (regime obscurantista que ensombrou a Democracia com a perseguição
à criação cultural livre, com a limitação à cultura e educação - só
acessível às classes economicamente mais favorecidas, com a perseguição aos
professores e artistas democratas (independentemente da sua incontestável
competência), com a censura à livre opinião
- em livro, jornal, teatro, filme
ou artes plásticas). Regredimos com a instauração da “arte oficial”: inclusivamente, extinguiram-se as Universidades
Populares.
Com a eclosão
da Revolução de Abril de 1974, abriram-se concomitantemente as esperanças numa
liberdade de criação cultural: e da possibilidade de uma cultura democrática
desenvolver, em cada cidadão, mercê do estímulo a uma ginástica da mente plena
(como queria António Sérgio), tanto as capacidades para desmontar um programa
eleitoral, como a preparação cívica para mergulhando no passado -
interpretar o presente e lançar pontes prospectivas para o futuro
individual e colectivo; desenvolver, em cada um de nós, os instrumentos que
permitam a plena fruição de um livro, de um filme, de uma peça de teatro, do
debate de uma conferência, a opinião sobre uma exposição de Pintura, um
programa de Televisão ou um artigo de jornal; que nos abra perspectivas à
preservação do património de modo a sabermos transmiti-lo às gerações
vindouras: seja o património construído e imaterial, seja ele artístico, cívico
ou político (a Democracia).
E,
constatemos, a Revolução de Abril - apesar do período político de sombras que
atravessamos - conseguiu fazer da
geração presente, o escol mais bem preparado em termos de capacidades culturais
e científicas: mercê da abertura do ensino a todas as possibilidades
financeiras, e da amplitude geográfica da Universidade e do Politécnico
(embora, ressalve-se, estejamos a viver
- mercê do agravamento das
desigualdades económicas, e de um desnorte consumista - uma
época de neo-liberalismo desenfreado que decepcionaria políticos e sociólogos
progressistas (lembrando-me de Gilles Lipovetsky).
Saliente-se
que a aculturação não apenas se poderá obter, mediante a frequência dos bancos
da Universidade (não é forçoso que assim seja): os escritores e poetas
Antunes da Silva, Mário Ventura,
Aquilino Ribeiro, Manuel da Fonseca, Florbela Espanca, José Saramago, António
Aleixo -
não se preocuparam com o grau universitário; o mesmo sucedendo com
Baptista-Bastos: apenas tiveram - mercê do seu talento, da sua preocupação
auto-didacta e do seu gosto por uma aturada leitura - uma
virtude que os levou a deixarem-se contaminar, face às ideias e às observações
que teceram, pelos acontecimentos, pela vida, pelas contradições, pelos
absurdos, e também pelas alegrias e vitórias do mundo social que os envolvia.
Como também o crítico de artes plásticas Reis Santos (especialista em arte
flamenga) e o historiador de arte Túlio Espanca, eram auto-didactas. Para estes
intelectuais, “o caminho fazia-se
caminhando” (lembrando o poeta galego António Machado): e fazia-se com a
leitura, a observação, a experiência, o trabalho, o contacto, o convívio.
E seria,
novamente em liberdade, em sequência do “25 de Abril”, que se assistiria ao Movimento das
Universidades Seniores - sendo a Universidade Sénior de
Montemor-o-Novo uma das pioneiras:
movimento que surgiria como instrumento de aculturação (através do convívio, da
osmose de ideias, do debate saudável, da leitura, dos eventos culturais).
Assim, no
cumprimento do seu 15º ano de existência, o presente ano lectivo iniciar-se-ia,
nesta Universidade Sénior, com uma Conferência em redor do valor da
aprendizagem na aculturação, onde - a dado momento - foi
recordada a afirmação de Bento de Jesus Caraça: “Eduquemos e cultivemos a
consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a
consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da
sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e
nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito ao
completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas
e materiais”. E encerraria o ano escolar, com a representação (pelo grupo
cénico da Universidade Sénior) da recriação da Fábula “A Cigarra e a Formiga”
(de Esopo e La Fontaine ) -
“dramatizada” por Carlos Cebola, e encenada por Victor Guita - de
onde se depreenderia a demanda, a procura, o propósito da luta pela concertação
social: afinal, o preceito cívico da passagem, da transição, do “eu” solitário
ao “nós” solidário.
Assim
prossegue a Universidade Sénior de Montemor-o-Novo, precisamente nas premissas
da afirmação de José Guimeno: “Devemos
antes defender uma determinada atitude comprometida - com
um projecto democraticamente elaborado que sirva um modelo flexível de indivíduo e sociedade”:
no propósito de integração de cada um de nós (Professores e Alunos),
conscientemente formados, numa vida social, que a todos abarca.
José Alexandre Laboreiro
1 comentário:
Sendo também as Universidades Séniores contributivas "para o envelhecimento activo".
Parabéns José Alexandre Laboreiro por mais este oportuno e interessante trabalho.
A. Fontes Coelho
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