(Continuação da semana anterior)
O VELHO APERTA - A HISTÓRIA DE UM TOCADOR
O casamento
O pai sempre teve uma grande admiração pelo filho, à medida que ele fora crescendo a admiração aumentava.
Agora, pelo excelente companheirismo reinante entre os dois, o filho confidenciava-lhe os seus problemas.
Tinha já vinte e quatro anos e por vezes abordava com a Bia os projectos para o casamento, mas aqui hesitava, sem contudo o dar a conhecer à rapariga.
Já tinha casa embora só mobilada no essencial. Isto não o incomodava.
- O melhor é agarrar nela e trazê-la para casa, - pensou algumas vezes.
Mas este pensamento era logo ofuscado por outro; se ela não quiser e se ela se zangar. Esta hesitação começou a atormentá-lo e levou-o a auscultar o pai, que melhor do que ninguém lhe daria o conselho adequado
- Não, não quero que me dês o mesmo desgosto que eu dei ao teu avô - respondeu o pai com um modo antes nunca visto pelo filho. Este apercebeu-se que se consumasse o acto de se amigar com a rapariga perderia a amizade do pai.
No ano seguinte, ele com vinte cinco anos e ela com vinte e quatro, no dia da Festa da Santa Cruz casaram.
Um casamento simples, sem cerimónias mas onde não faltou alegria, a dança e a música.
O casal, Tonho e Bia, muito embora ambos auxiliassem nos festejos vindouros, aquela não mais personalizou a Maria Madalena.
O desencanto
Durante dez anos a felicidade foi sentimento reinante e orientador na vida deste casal.
A casa que o Tonho Aperta comprara tinha um grande quintal. O galinheiro, amplo dava para albergar a criação e um casal de pombos brancos que ele oferecera à Bia, ainda em solteiros. No chiqueiro além do porco tinham uma cabra, para abundância de leite. Palheiro e cabana para a burra e ainda sobejava terra para uma pequena horta e árvores de fruto.
Um paraíso comentavam, não só as amigas, mas também pessoas alheias à família.
Dez anos se passaram na mesma rotina.
Os trabalhos no monte do Roncão, algum contrabando, algumas pescarias com o moleiro e o Silva e, o nosso Tonho a tocar cada vez menos, embora até tivesse tocado em baptizados e casamentos.
Nos primeiros tempos de casado, conformou-se com a esterilidade da esposa, mas agora passado este tempo começou, com alguma frequência, a falar nisso à Bia Figueiras.
Queria à viva força que a Bia lhe desse um filho, um descendente a quem ele poderia deixar os seus bens, a sua casa que entretanto acaba de pagar.
Desde que casara, poucas cargas de café passara, agora com a casa paga e querendo dedicar-se mais à esposa, decidiu deixar o contrabando.
- Para que me serviram estes anos de trabalho, de sofrimento e de risco de vida? - esta interrogação começou a apoquentá-lo com alguma frequência.
Decidiram ir à aldeia do Rosário consultar o “poeta”, um curandeiro que em pouco tempo alcançou grande fama. A Bia Figueiras logo no primeiro dia que tomou o remédio sentiu-se mal. Ocultou este estado ao marido. Ao segundo dia piorou e começou a não ter apetite.
O Tonho alegrou-se e perguntou à mulher.
- Já engravidaste? - ela encolheu os ombros e nada disse.
- É preciso esperar - pensou o Aperta.
Por falta de apetite, a Bia começa a enfraquecer e só lhe apetece estar deitada.
O Tonho começou a vir algumas noites a casa e sempre a encontrava deitada. Nos primeiros dias pensou que estaria em repouso para não abortar e mimava a esposa com caldinhos de farinha torrada ou de chocolate.
Um dia falando com o moral de parelhas, este perguntou - Tem vómitos? - Não - respondeu o Tonho.
- Então isso não é gravidez, ela está doente, é melhor procurares um médico - recomendou o tio Mocho.
O Tonho deixou de imediato o trabalho e dirigiu-se a Terena para chamar o Doutor Galhardas.
Entrou na taberna para cumprimentar o Silva que o convida para petiscar peixe do rio frito, com o tio Laurentino Manitas, o melhor apregoador de Terena. Demorou-se pouco tempo e dirigiu-se ao consultório contando ao médico o estado da esposa.
- Chegaste a hora certa, só agora despachei o último doente e o harmónio? - pergunta de repente o doutor.
- Já pouco toco - É pena gostei tanto do ouvir.
O doutor tinha assistido, na sociedade, à actuação do tocador Aperta.
Chegados a casa, o doutor encontra a Bia muito débil.
Septicemia diagnosticou.
A frase do doutor provocou um abalo maior no nosso Tonho, do que ter levado um coice no estômago da mula ratinha, a mula mais arisca do monte do Roncão.
O Tonho tinha a consciência que aquela doença, desenvolvida por via sanguínea a partir de outra já existente era muito grave, quase incurável.
Os remédios do “poeta” na tentativa da Bia engravidar tinham despoletado a doença.
O nosso protagonista começa a arrepender-se da sua insistência, e só agora compreendeu o sacrifício que a Bia fazia para lhe proporcionar a alegria de lhe dar um filho.
Apesar dos esforços do doutor a Bia Figueiras finou-se ao fim de dois dias.
Com a sua morte o Aperta sentiu desmoronar-se tudo aquilo que durante os seus anos de vida tinha conseguido, que ele e a esposa consideravam a seu mundo.
Só ao fim de três dias o agora viúvo Tonho Aperta saiu de casa.
Durante este tempo arrumou a casa e deu um jeito no quintal, tentou fazer compreender à burra e à cabra que a dona morrera.
Fixou o olhar no harmónio e viu-se a tocar em todas as freguesias do Concelho, recolhendo fortes e morosos aplausos, mas o que lhe fez humedecer os seus olhos, foi a recordação do baile da Santa Cruz, em sua casa, onde pela primeira vez a sua Bia lhe dera um beijo.
Outra triste surpresa teve ao verificar o pombal, o pombo morrera.
Este acontecimento foi motivo de cisma, durante muito tempo, do Tonho.
- Porque morrera o pombo e não a pomba? Ou porque não morreram os dois?
(Termina na próxima semana)
Pode ler a história completa em : http://alsul.blogspot.com/
1 comentário:
Quando, motivado por uma longínqua recordação, escrevi esta história estava longe, muito longe de pensar que o falado harmónio ainda existia.
O seu aparecimento completa a história, dando-lhe assim um pouco de realidade que ela não teve e, se a tivesse não seria uma história, seria uma narração e não teria para o autor o sabor, o empenho até a emoção sentida por ele ao escrevê-la e, estou convicto, por muitas pessoas ao lê-la. Quis com esta História evidenciar Montejuntos, assim como a Hortinhas com o "Bota cá licença" e o Alandroal com a "Morcela do Caritas".
E Terena pensaram alguns leitores? para ela está reservada uma grande História, uma grande Horta na margem esquerda do Lucefécit.
Quero agradecer, à mãe do senhor Arlindo Diaz e a ele, o terem permitido a publicação fotográfica do Harmónio.
MUITO OBRIGADO.
Helder Salgado.
12-03-2012
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