sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM


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Martim Borges de Freitas 

Sexta, 17 Fevereiro 2012 09:54
Ultimamente tem-se vindo a desenvolver no seio da sociedade portuguesa a necessidade de, cada grupo social e, dentro destes, cada individuo, identificar, encontrar ou criar um opositor, alguém ou algum grupo contra o qual possa estar. Não sei se por necessidade de afirmação – caso clássico – ou simplesmente como válvula de escape. O certo é que vou sentindo cada vez mais dicotomias nas mais variadas situações. Como se houvesse sempre dois lados e em que cada um deles quisesse que o outro existisse. Permanentemente!
A última vez que me dei conta de mais um exemplo do que acabo de dizer teve lugar esta quarta-feira quando, na televisão, foram apresentadas as novas tabelas de retenção na fonte do IRS. Aí se comparavam as retenções na fonte entre funcionários públicos com um certo rendimento e os outros trabalhadores do sector privado com o mesmo rendimento. Confesso que não percebi a necessidade desta dicotomia, a não ser para apoucar o funcionário público, já que a comparação foi no sentido de falaciosamente se mostrar que o funcionário público ia ser sujeito a uma menor retenção na fonte do que qualquer outro trabalhador do sector privado, recebendo, portanto, mais dinheiro líquido do que o seu congénere do sector privado.
Mas, houve outras situações. Por exemplo, as da responsabilidade de Pedro Passos Coelho, Primeiro¬-ministro de Portugal. Uma, mais antiga, relativa à decisão de cortar mais no rendimento de uns portugueses do que no de outros portugueses. Ainda hoje não consegui perceber por que não foi possível cortar em todos por igual, isto é, de forma proporcionalmente igual. A segunda situação, também da responsabilidade do Primeiro-ministro, diz respeito à famigerada história dos piegas. Não por ter usado o dito vocábulo, mas por retomar a lógica da dicotomia, voltando a colocar uns portugueses de um lado e outros do outro: de um lado, os piegas e do outro … enfim, os não piegas!
Outras situações houve ainda. Por exemplo com o Presidente do Parlamento Europeu, talvez pelo facto de o Senhor Schulz dizer coisas de forma, muitas das vezes, aparentemente pouco reflectidas. Agora, invocando o desenvolvimento das relações entre Portugal e Angola, pareceu ter dito que Portugal estava em declínio. Os jornalistas, sabendo quem era e vendo o furo, usaram imediatamente as declarações do Presidente do Parlamento Europeu para criarem mais uma dicotomia. Na realidade, Schulz, desta vez, até nem esteve mal, já que não criticou nem Portugal nem o Governo de Portugal, tendo antes tentado explicar que os europeus devem trabalhar em conjunto de modo a que nenhum Estado-membro da União tenha de se virar para países terceiros em busca de investimentos. Portanto, ao ter falado em “declínio” referia-se à Europa e não a Portugal. Mas, lá está, foi criada mais uma dicotomia desnecessária.
Outros casos poderiam aqui ser evocados como, por exemplo, o do acordo de concertação social e as várias dicotomias que dele resultaram, incluindo a grande manifestação da CGTP de sábado dia 11 de Fevereiro. Ou o da dicotomia entre o Ministro da Defesa e as Forças Armadas. Nesta altura de crises várias, todas profundas, o que seria - o que é - exigível é um discurso agregador. Um discurso que ultrapasse verdadeiramente as estéreis diferenças entre as partes. Um discurso que saiba unir e que galvanize. Um discurso engrandecedor e incentivador. Que olhe em frente e que olhe para a frente. Ora, esse discurso, deveria partir do Primeiro-ministro. Deveria, aliás, ser ele a querê-lo. Para quê procurar opositores? Para quê criar opositores? Do que o país precisa é de mobilização. E, portanto, de quem mobilize. De quem seja capaz de mobilizar. Em ordem a agregar.
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2012

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