sexta-feira, 25 de novembro de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM


Um por todos
Martim Borges de Freitas

Sexta, 25 Novembro 2011 09:22
Em Portugal, os partidos políticos desempenham um papel fundamental na estruturação do sistema político. No que toca a órgãos de soberania com legitimidade directa, a presença dos partidos políticos é mesmo preponderante para a apresentação de candidaturas de cidadãos elegíveis, salvo no caso do órgão presidencial. De resto, é a própria Constituição da República Portuguesa que obriga a que as candidaturas sejam apresentadas por partidos políticos, pelo que são estes quem controla o sistema de representação e condiciona a participação dos cidadãos no exercício do poder político. Se a capacidade eleitoral passiva, exceptuadas as restrições legais, depende da capacidade eleitoral activa, podendo, em princípio, ser elegível quem é eleitor, a verdade é que, para que um cidadão eleitor possa apresentar a sua candidatura a deputado, tem de o fazer por intermédio de um partido político.
O que acabo de dizer já aqui o disse, na Rádio Diana, pelo menos uma vez. Se volto ao assunto, é porque esta semana tivemos conhecimento de uma proposta de alteração ao Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, ao que parece já votada favoravelmente, visando permitir que um deputado, ao votar, no momento em que vota, possa representar todo o seu Grupo Parlamentar. Ora, a simples evocação desta proposta, também porque veio da Madeira de Alberto João Jardim, levantou, logo, uma onda de protestos e de indignações, com a invocação do já velho e estafado argumento da inconstitucionalidade da proposta!...
Interessante e relevante é que a proposta, a alteração, põe o dedo na ferida, ou seja, põe a nu todo o sistema político-eleitoral português de representação parlamentar. De facto, tal qual está estruturado o sistema português de representação parlamentar, ele permite aos parlamentos portugueses, nacional e regionais, organizarem-se tal como a Assembleia Legislativa da Madeira quer passar a funcionar. Isto é, fazendo com que um deputado apenas possa, ao votar, representar todo o Grupo Parlamentar a que pertence. Um escândalo, dir-se-ia.
Se eu não estiver enganado, ainda hoje no parlamento da mais velha democracia do mundo, a Câmara dos Comuns, em Inglaterra, é possível estabelecerem-se acordos entre deputados da oposição e do partido do governo - acordos de cavalheiros, diga-se de passagem – que permitem a um deputado da oposição ou do partido do governo faltar deliberadamente a uma determinada votação se o outro deputado, do partido do governo ou da oposição, com o qual se firmou o acordo, não puder comparecer a essa votação. O objectivo é o de poder ser mantida a relação de forças no hemiciclo no momento da votação e, ao mesmo tempo, não prejudicar o trabalho político dos deputados fora do hemiciclo que, no caso inglês, é mesmo trabalho político junto dos eleitores, de quem, aliás, depende a sua eleição - ao contrário do que acontece entre nós, em que são as Direcções partidárias a escolher o deputado. Portanto, que um deputado apenas possa representar todo um Grupo Parlamentar não é nenhuma coisa do outro mundo, face ao sistema eleitoral português.
Importante, importante seria dar a oportunidade aos cidadãos eleitores de poderem escolher o deputado do seu (deles) partido. Aquele que gostariam de ver na Assembleia da República. Talvez assim a aproximação entre eleito e eleitor voltasse a acontecer e a abstenção tendesse a diminuir. A questão essencial nesta matéria é, portanto, a do método pelo qual os deputados são eleitos. Mas nisso ninguém quer tocar. Mantendo-se o actual método de eleição, são as Direcções partidárias quem detém o monopólio das escolhas. Se outro fosse o método de escolha dos candidatos a deputados no interior dos partidos políticos, estou convencido de que outra seria a qualidade dos eleitos e, por conseguinte, outra seria a qualidade da democracia. Mas se há necessidade de se alterar o método de eleição dos deputados à Assembleia da República, há também a necessidade de se alterar o método de escolha dos candidatos a deputados por parte e no interior dos partidos políticos. Eis por que a alteração ao funcionamento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, mesmo que não vá para a frente, tem mérito: mostra aquilo que todos nós já sabemos, isto é, que nas actuais circunstâncias, politicamente, basta que esteja presente um deputado por Grupo Parlamentar para que a democracia se realize. Pode custar ouvir, mas esta é a mais pura das realidades. E um dos problemas fundamentais da nossa democracia.
Lisboa, 24 de Novembro de 2011
Martim Borges de Freitas

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