domingo, 6 de novembro de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM


De pernas para o ar
Martim Borges de Freitas


Sexta, 04 Novembro 2011 13:23
O dia 1 de Novembro de 2011 pode muito bem vir a tornar-se no dia em que ficou claro para todos que o mundo está de pernas para o ar. O anúncio, pelo governo de Atenas, de um referendo ao segundo pacote de resgate à Grécia – em bom rigor efectuado ainda na segunda-feira, dia 31 de Outubro – foi a causa de um grande crash das bolsas mundiais. Que não vai ficar por aqui…
O mundo está de pernas para o ar, não em resultado deste crash nem em resultado de qualquer outra derrocada ou incerteza financeira, mas porque a pátria da democracia, a Grécia, ao ter anunciado um movimento claramente democrático obteve uma reacção claramente contrária.
Do meu ponto de vista, um referendo digno desse nome é, mais do que um gesto, uma acção com um sentido profundamente político e com contornos desafiadores. É comum dizer-se que num referendo sabe-se sempre como ele começa mas nunca se sabe como ele acaba, tal a incerteza ou imprevisibilidade que encerra em si mesmo.
Ora, venha este eventual referendo a acontecer ou não, o seu simples anúncio revelou já o terreno que não apenas a Europa como o mundo inteiro andam a pisar. Quando vemos países com as melhores tradições democráticas a fugirem a sete pés de um referendo, percebemos o quão errado foi e tem sido o caminho percorrido. Mas se esta constatação é um sinal de alarme, ela é igualmente reveladora da razão pela qual chegámos a este ponto. Se em vez de se ter dado rédea livre àqueles que, de facto, foram desenvolvendo e controlando, a seu modo e para seu próprio benefício, a globalização (no seu sentido mais original, isto é, no seu sentido económico-financeiro) se, em vez disso, se tivesse tentado regular e controlar democraticamente essa evolução, talvez hoje o anúncio de um referendo sobre uma matéria que é evidentemente referendável não causasse tanta perturbação nem sequer tivesse razão de ser.
Por conseguinte, o que o anúncio deste referendo por parte do Primeiro-ministro grego confirmou foi o grau de elevadíssima incerteza e instabilidade em que vivemos. Mas o Primeiro-ministro grego também há-de saber disto… Se sabe, então porque avançou ele com a ideia e a sustentando ainda agora, surdo que parece estar aos mais veementes apelos que lhe foram feitos? A meu ver, a resposta parece ser simples: é que a Grécia não tem saída! Quando teve saída, ninguém – nomeadamente a União Europeia - a quis ajudar; agora que já não tem saída, aqui d’el rei, porque vai promover irresponsavelmente – dizem os donos da Europa - um referendo suicidário. Ao não ter saída no quadro e no contexto actuais, a Grécia optou por forçar a mudança: a Europa só reagirá em verdadeiro salvamento da Grécia se pensar que deixar cair a Grécia pode significar deixar cair a Europa. Não sei se o raciocínio é linear, mas parece-me ser esse o pensamento grego. Se for, então a Europa terá de encontrar uma solução adequada daqui até ao referendo.
Ver a Europa inteira, ver a União Europeia inteira, ver todos os seus Estados-membros, paladinos da democracia, a usarem e a apelarem a métodos de acção política de duvidosa democraticidade para contrariarem as intenções de um governo que pretende usar, justamente, os meios que a democracia lhe disponibiliza para fazer frente e fazer face a uma questão maior, traduz-se na maior das ironias por que a União Europeia já terá passado! O problema é que não é a ironia que atormenta os povos; o que nos atormenta mesmo é o risco, esse elevadíssimo risco em que estamos todos a incorrer, por causa de caminhos seguidos, de nula legitimidade e de impossível escrutínio. E quanto a isto, a Grécia e o povo grego, estão completamente inocentes.
Num mundo que está de pernas para o ar, estarmos alarmados é o melhor que nos pode acontecer. Ultrapassar o estado de alarme pode significar ultrapassar o ponto de não-retorno. E aí pode ser o descalabro. Cumpre, evidentemente, aos decisores políticos anteciparem o pior dos cenários e agirem com verdade para o evitar. De resto, a saída da Grécia do Euro – coisa que não defendo – não significará o fim do mundo.
Lisboa, 3 de Novembro de
Martim Borges de Freitas

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