quinta-feira, 27 de outubro de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM


Engano de cor
Eduardo Luciano

Quinta, 27 Outubro 2011 10:30
Apesar da discussão à volta do Orçamento de Estado e dos roubos anunciados aos trabalhadores, reformados e pensionistas preencher quase todo o espaço mediático, a ofensiva contra o regime nascido da revolução de Abril a coberto da crise e de supostas inevitabilidades, compõe-se de muitas outras frentes a que é preciso dar resposta e combate.
Uma das mais graves é a proposta de desmantelamento do Poder Local democrático, apresentada sob a forma de um “Livro Verde”, que assenta em três grandes objectivos: diminuição da democracia local e afastamento entre eleitos e eleitores, eliminar um conjunto significativo de freguesias e impor limites inaceitáveis à autonomia do poder local na organização das suas estruturas.
Se fossem levadas à prática as orientações contidas no “Livro Verde”, teríamos uma diminuição drástica do número de eleitos, a imposição de executivos monocolores nas câmaras municipais com os vereadores a serem escolhidos pelo presidente da câmara entre os eleitos na assembleia municipal.
O princípio da proporcionalidade, trave mestra dos equilíbrios políticos que permitiram ao poder local realizações de importância impar para as populações, seria abandonado.
A capacidade de acompanhamento e controlo democrático das decisões da maioria seria posta em causa, atirando para a assembleia municipal esse papel que, pelas suas características não o pode realizar de forma eficaz.
A colegialidade do órgão câmara municipal seria substituída pela imposição de um sistema presidencialista, assente numa só figura com legitimidade democrática que lhe advém do voto popular.
Se somarmos a isto a imposição de limites à organização dos recursos humanos, nomeadamente ao nível de cargos dirigentes, teremos gestões municipais muito próximas do tempo da ditadura em que o presidente e chefe da secretaria decidiam em função das ordens emanadas do governo.
As anunciadas extinções das freguesias com base em critérios de aritmética pura, sem ter em conta o papel que cada uma delas desempenha para as populações que servem, irá acentuar fenómenos de isolamento e afastar as pessoas do único nível de poder democrático que lhes estava próximo com tudo o que isso implica,
Nalgumas freguesias já mataram a escola, o centro de saúde e o posto de correios, fechando agora as Juntas de Freguesia, o único serviço público de proximidade que se manteria seria o cemitério (se entretanto não o privatizarem como já acontece nalguns concelhos).
Não é exagero afirmar que este “Livro Verde” pretende pôr fim a um dos pilares do regime democrático e como tal a cor que lhe devia estar associada seria o negro.
Tudo isto é proposto em nome da racionalidade e da diminuição de custos, apesar dos valores associados serem irrisórios no contexto do orçamento de Estado.
Estes novos cavaleiros do liberalismo rapidamente concluem que a democracia é cara e se a puderem limitar a um simulacro de escolha periódica de governantes, não hesitarão.
É preciso dizer a esta gente que só no século XX já tivemos 48 anos do mais barato dos regimes e que o resultado foi o pagar do mais caro dos preços.
Até para a semana
Eduardo Luciano

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