quarta-feira, 28 de setembro de 2011

POETAS POPULARES DO MEU CONCELHO - - JOAQUIM CATITA GUIOMAR (ESPECIAL - PORQUE TEM HISTÓRIA)

Panfletos escritos geralmente em versos (sextilhas, septilhas ou décimas) - e que tratam dos assuntos mais variados. Estes folhetos caracterizam a nossa literatura de cordel.
Na sua grande maioria são romances que contam estórias com a intenção de entreter ou "versos de opinião", que criticam factos ou pessoas.
Os poetas contavam as suas histórias nas feiras e praças, muitas vezes ao lado de músicos. Os folhetos eram pendurados em barbantes (daí o nome Cordel) ou amontoados no chão, despertando a atenção dos transeuntes.
Os folhetos, confeccionados na sua maioria no tamanho 11x15cm ou 11x17cm e, em geral, impressos em papel de baixa qualidade.
Fonte: WiKipédia.

Pois o nosso colaborador e amigo Hélder fez-nos chegar alguns desses panfletos escritos e mandados imprimir pelo Poeta do nosso Concelho Joaquim Catita Guiomar.
Permitimo-nos chamar a atenção para um pormenor que não pode deixar de ser destacado:

Veja-se que no final do panfleto consta o celebre  Visado pela Comissão de Censura.
Pode assim a geração actual aquilatar da repressão que o Estado Novo submetia tudo aquilo que era escrito, não poupando inclusive simples versos de gente do Povo que muitas vezes encontrava o seu sustento vendendo de porta em porta os referidos versos.
Aqui lhe deixamos testemunho de alguns desses panfletos, assim como a redacção (para facilidade de leitura) dos versos inseridos nos mesmos.

                                                     A EMIGRAÇÃO

MOTE
Tristes vilas e aldeias
Que vivem na solidão,
Só de saudades estão cheias
Devido à emigração.
                    I
Que profunda é a tristeza
Pelo nosso país fora
Já se não sabe onde mora
Nos campos a tal beleza
Que foi, outrora, riqueza
Do sangue das nossas veias,
Quebraram-se as fortes teias
Que os camponeses prendiam
Não vivem como viviam
Tristes vilas e aldeias.
                 I I
Não se vê ninguém nos campos
Não se Vê ninguém nas serras
Não há quem cultive as terras
Nem quem crie borregos lampos.
Só os tristes pirilampos
Gravltarn na escuridão
É tal a desolação
Pelas ausências humanas
Nas terras alentejanas
Que vivem na solidão.
III
Até os passarinhos, sim!
Parecem adivinhar
No seu tristonho piar
Que o mundo Vai para o fim.
Aquilo que foi jardim:
Trigos, cevadas, aveias ...
Já nem tu, pobre semeias
P'rás necessárias reservas;
As terras, e as próprias ervas ...
Só de saudades tão cheias.
IV
Nem há rebanhos de gados
Que possam aproveitar
Da natureza tirar
O proveito dos seus prados,
Que crescem abandonados
Até à destruição
Por geada e Vento suão
Tudo se queima e arrasa,
Nada adianta, tudo atrasa
Devido à emigração.

MOTE
Partiste em desvario
Deixando o ninho teu lar;
És ave d'ernigração
Eu sei que hás-de voltar.
                 I
Com base em sonhos profundos
Sob um sol radiante
Segues pelo mundo errante
Em busca de novos mundos.
Outros seres oriundos
Encontrarás nesse fio
Expressando o mesmo pio
Procurando a mesma sorte
Sem rumo, sem fé, sem Norte
Partiste em desvario. .,
              II
Hoje já te não perfuma
A casca dos puros ovos
Que não terás nesses novos
Ninhos desertos de pluma;
Aonde não há nenhuma
Alma que te possa dar
O que acabas de deixar
Com esta louca aventura.
Queimando tanta ternura
Deixando o ninho teu lar.
              III
Mas Vê com eficiência
Os problemas que surgem
Doutras aves de penugem
Sem meios de subsistência,
Que vítimas de tal carência
Não sobrevivem em Vão,
Certamente morrerão,
À fome ninguém resiste
Voltarás, feliz ou triste ...
És ave d'ernigração,
             IV
Em ti tenho confiança
Porque sei que és forte grou
Talvez com teu longo vôo
Realizes tua es'prança
Encontrarás a bonança
Que te deve inpulsionar
E dar forças p'ra Voar
De regresso ao ninho q'rido,
Vitorioso ou vencido
Eu sei que hás-de voltar.

      MOTE
Partida precipitada
Sonhando com um tesouro;
Trago no bico, à chegada
Grãozinhos de prata e ouro.

                    I
É certo que não previ
Tantos perigos que encontrei
P'ra chegar onde cheguei
Mil tormentos padeci
A própria Vida eu vi
Quantas Vezes perigada;
De cabeça levantada
Pensando nas horas más
Partida precipitada ...
                            II
As avezinhas incultas
Que aqui deixei com penugem,
Todas elas me resurgern
Com lindas penas adultas.
Já com qualidades cultas
Sem passarem por desdouro,
Como alguém teve em agouro
As delícias que sonhei,
P'ra tanto me aventurei
Sonhando com um tesouro.
                    III
As Voltas que por lá dei
Não consigo descrever
E a tanto sobreviver
Como consegui, não sei. ..
Sei enfim, que regressei
Com a alma aliviada
Porque vi realizada
A esp'rança por mim vívida
E portanto, nova Vida
Trago, no bico, à chegada.
                      IV
Sonhei, dormindo e acordado
Noite e dia, sem cessar
Que havia de renovar
O ninho desamparado.
Num lar reunificado
Voltei de novo ao plouro
Trago em saquinhos de couro
P'ra novas vidas burguesas
Maravilhas e riquezas
Grãozinhos de prata e ouro.

Todos os direitos reservados ao autor
(Visado pela Comissão de Censura)
1.000 ex. - 24-4-73 - A Nova Grafia - Alrnada - Te!. 271473


(Continuamos amanhã a divulgar esta excelente "pesquisa" do Helder)

~

5 comentários:

António Branco disse...

O espelho da minha vida.
Aos 16 anos de idade saí da minha terra(Bencatel)para Lisboa,à procura de novos sonhos , 40 anos depois por aqui continuo tendo realizado alguns sonhos e como diz e bem o poeta Joaquim Catita também me considero uma ave d,ernigração que vive com a esperança de um dia voltar ao meu Alentejo querido.

Anónimo disse...

Também fui ave de emigração, mas por obras e graças da vida´ao meu Alentejo voltei,HELDER muito obrigado, por este tão grande naco de cultura Alentejana que nos deste,não consigo escrever mais...
Estou a chorar...sim os HOMENS também choram...
Um abraço,
HOMERO

francisco tátá disse...

Se choram Manel se choram... São aqueles que têm alma, que sentem, que olham para alem do seu umbigo.
Quantas lágrimas eu derramo com "certas coisas " que aqui se divulgam.
Mas é tão bom chorar, por coisas como estas!!!!
Até me apetece dar-te um beijo na face e um abraço bem apertado.
Xico

Helder Salgado disse...

Chorar é próprio da gente
de gente boa da Terra
a chorar a gente sente
a vida da outra era
e fico feliz chorando
com a alma a meditar
no meu peito comungando
também o vosso chorar
chorar é próprio da gente
não envergonha ninguém
a chorar a gente sente
a mágoa de outro alguém.

Foi o que a emoção me ditou para dizer.
Assim o fiz.
PARABENS, ao poeta Joaquim Catita,
parabens aos comentaristas.
Um abraço, com o saudoso CANTE Alentejano.
Helder

Anónimo disse...

Obs.

Ilustres e tão queridas Marias Madalenas:"a sério,se quiserem que eu Vos acompanhe pensativamente e também chore,digam"!

ANB