terça-feira, 22 de março de 2011

COLABORAÇÃO - EVELINE SAMBRAZ

A narrativa que se segue faz parte do espólio encontrado numa garrafa, encalhada no açude duma azenha do rio Quadiana, antes da construção da barragem do Alqueva.
A garrafa foi encontrada por um pescador de Juromenha, Maurício de seu nome, que, em vez de trazer da pescaria, quatro ou cinco peixes, para animar uma tardada no restaurante do Zé do Alto, acabou por trazer uma garrafa, bem rolhada, que continha uma dúzia de folhas de papel.
Essas folhas vinham escritas em língua espanhola e, como não vinham assinadas, desconhece-se quem é o autor.A tradução é de Eveline Sambraz.
A tradutora decidiu dar-lhe o título de « TRILOGIA DO QUADIANA » na medida em que parecem ser três narrativas autónomas, embora o nome das personagens se assemelhe.
Hoje publicamos a primeira.

(Devido à dimensão da narrativa, decidiu o editor em consonância com a tradutora publicar esta história em vários capítulos , que se vão prolongar durante o resto desta semana)

                                                === CHELES ===

Esta, é a história de dois irmãos; irmãos gémeos; fisicamente, parecidos como duas gotas de água.
Um português e outro espanhol; é desses dois irmãos que vos quero falar; não que pretenda contar toda a sua vida, pois, para isso, não chegariam as páginas que esta narrativa vai ter; seria preciso um romance e, a tal empreendimento, eu não me atrevo. Perguntará quem ler estas linhas : « Se eram gémeos porque tinha um nacionalidade portuguesa, e outro nacionalidade espanhola ? » Esta explicação não sendo simples nem vulgar, pode, pelo menos, ser rápida. No fim da primeira década do século XX, por altura da implantação da república, chegou a Portugal, vindo de Espanha, um casal que trazia consigo um filho com poucos anos de idade, chamado Juan José Rodriguez Potra; vinham fugidos por motivos políticos; em Espanha, numa povoação do sul da Extremadura, tinham deixado um outro filho na companhia de familiares, que não os acompanhara por estar gravemente doente, com febres altíssimas, cuja origem desconheciam; não querendo arriscar a vida do filho, pois também não sabiam o que os esperava em Portugal, optaram por deixá-lo em Espanha na companhia dos avós. A sua estadia em Portugal seria muito curta, pensavam eles, era só até os motivos e as paixões que os tinham obrigado a sair ficarem mais calmos; mas essas paixões e esses motivos nunca mais acalmaram, como todos muito bem sabemos, e por cá foram ficando até decidirem assentar definitivamente no Alandroal. Instalaram-se num monte entre as Hortinhas e a Malhada Alta. Monte do Meio, assim se chamava.
Esses meninos, Juan José Rodriguez Potra e Rufino José Rodriguez Potra, são os dois irmãos que referi no início desta narrativa; irmãos gémeos, como também já referi. Assim, os dois irmãos, vindos do mesmo tronco familiar, acabaram por ser criados em países diferentes; mas não era só isso que os distinguia; para lá da aparência física e do parentesco, nada mais tinham em comum.
( Deixem-me fazer aqui uma breve pausa na narrativa para me apresentar : Chamo-me Guadalupe José e sou filha do Juan José Rodriguez Potra. Serei eu a narradora. Fui eu quem acompanhou o meu pai aos funerais do irmão, em Cheles, no ano de 1970. )
Mas cada coisa em seu tempo e em seu lugar; por agora, deixem-me explicar porque eram estes irmãos tão diferentes na forma de estar na vida :
O meu pai, rapidamente mudou de nacionalidade e ficou a chamar-se, de forma muito portuguesa, João José. Ingressou na marinha, no ramo da aviação naval, uma área militar que, até às proezas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, era encarado mais como uma extravagância do que como tropa a sério. Não se escandalizou com o golpe militar do general Gomes da Costa em 1926 e foi ficando na aviação naval, progredindo na carreira. E quando aquele professor de Santa Comba Dão tomou conta do país, também não se alarmou.

(Prossegue amanhã)

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