(Continuação do dia anterior)
VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA 2ª PARTE
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Assim se viram os três, dum lado da mesa os irmãos Rodriguez Potra, mirando, desconfiados, com aqueles olhos cinzentos que em momentos de tensão se tornavam mais escuros. Do outro lado, o militar que com grande à vontade lhes perguntava se queriam tomar alguma bebida. Perante a negativa dos outros, agradeceu a disponibilidade para aquele encontro e disse-lhes que tinha conhecido a irmã deles, Rosário, assim lhe dissera ela que se chamava, que tinha tido com ela duas ou três conversas informais, mas pretendia elevar a relação para outro nível, não querendo, porém, fazê-lo, sem disso dar conhecimento à família. Disse também que tinha casa em Elvas e em Lisboa, que gozava de uma situação financeira muito boa, e que as suas intenções eram o mais honestas que eles pudessem imaginar. Não tinha nenhum familiar, encontrava-se completamente só, e estava disposto a casar com Rosário, se ela e a família assim o entendessem. Pedia-lhes que falassem com a irmã, e se ela estivesse de acordo, faria então o pedido formal de noivado. Assim mesmo, tudo dito de rajada, e com o ar mais sério deste mundo. Os dois irmãos, a quem já nada surpreendia, ficaram a olhar para aquele homem de olhos claros, com os cabelos prematuramente embranquecidos, impecavelmente barbeado e que lhes pedia para casar com a irmã mais nova deles, com o ar mais sério deste mundo. Até eles, que pensavam estar preparados para tudo, ficaram surpreendidos, ficaram sem palavras. Por fim, Francisco lá perguntou se a irmã estava a par daquele encontro. Perante a resposta negativa do oficial, Francisco, disse, então, que a primeira coisa a fazer seria eles falarem com Rosário e só depois voltariam a conversar.
Para espanto dos irmãos, Rosário não se mostrou surpreendida com as intenções do tenente Jean Jacques. Confirmou que nada se passava entre eles, que apenas tinham falado duas ou três vezes e que nessas conversas nunca tal assunto tinha sido abordado. Disse aos irmãos que antes de tomar qualquer decisão precisava falar com ele. Precisava saber o que pensava sobre algumas questões que para ela absolutamente essenciais. Isto é, seguiu com completo domínio da situação, aquela que era uma regra fundamental na vida dos Rodriguez Potra : Fora de casa mantinham uma unidade a toda a prova, a posição de um era sempre a posição de toda a família, mas entre eles as posições individuais eram sempre respeitadas, sem prejuízo de algumas chamadas de atenção para aspectos que muitas vezes não eram perceptíveis para o principal interessado. Fora assim com a mana Guadalupe quando resolvera acompanhar Santiago Grazina, no ano anterior, atravessando a Espanha numa altura em que todos os ódios ainda andavam à solta ; Fora também assim com o mano João José, quando decidira casar com a Maria da Conceição. O único que decidira não aceitar os conselhos dos irmãos fora o Rufino, que nunca se preocupara com a sua segurança, parecia-lhe que nada no mundo o poderia derrubar, e como nós muito bem sabemos, enganou-se, meteram-lhe várias balas no peito. Rosalía tinha sido um caso diferente, a loucura apossara-se dela, e numa situação dessa natureza, não havia conselhos que bastassem. Acabara enforcada na árvore do terreiro do monte das Courelas, árvore essa a que agora todos chamavam o sobreiro da mana Rosalía.
Francisco, como irmão mais velho, sentia que era sua a responsabilidade familiar, e verdade seja dita, todos na família aceitavam a sua opinião com muito importante antes de tomarem qualquer decisão.
Assim, disse a Rosário, naquela sua maneira de falar - " A decisão que tomares será respeitada por todos nosotros, pero te peço que ponderes muy bien " - Recebeu da irmã a seguinte resposta : - " Se não for fascista, caso-me com ele " -
Para a primeira conversa que o oficial da Guarda Fiscal teve com Rosário, no monte das Courelas, alguns dias depois, chegou acompanhado por dois ordenanças que vinham armados. Assim que desmontou mandou os guardas embora, dizendo que estava na companhia de gente de bem, acrescentando que não era necessário virem escoltá-lo no regresso, pois não sabia a que horas isso aconteceria.
A conversa decorreu apenas entre os dois, aliás, nenhum outro membro da família se encontrava em casa. Ao fim da tarde chegou João José, acompanhado por sua mulher, Maria da Conceição, vindos do monte Novo no outro lado da herdade. Pouco depois chegou Francisco. O tenente Jean Jacques jantou com eles, e embora a conversa não fosse muito animada durante a refeição, também não teve o ar de velório que seria de esperar de uma família que todos os dias iludia a entidade que ali estava representada pelo seu comandante.
(Continua)
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