(Continuaçãoda semana anterior)
VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA 2ª PARTE
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
... João José e Maria da Conceição - 1937
João José Rodriguez Potra e Maria da Conceição da Mota, conheceram-se na noite em que o António Pombo foi assassinado, no sítio dos Capuchos, junto à praça de touros, em Vila Viçosa. Como devem estar lembrados, um republicano espanhol em fuga metera-lhe uma bala na cabeça. Aconteceu naquela noite em que os três irmãos Rodriguez Potra se permitiram todos os excessos, na companhia do pai da rapariga, don Miguel da Mota, lavrador fidalgo, também de ascendência extremeña. O serão em casa do lavrador fora prolongado e com muitos copos, tendo os irmãos que pernoitar no monte da Mota, pois já não estavam em condições de voltar a subir para as selas.
Logo nessa noite se agradaram um do outro. Ela, de dezassete anos, ruiva e sardenta, com longos caracóis em canudo, presos por um laçarote branco, o sorriso mais luminoso que o João José tinha visto até então, e uns dentes tão brancos e brilhantes que o encantaram. Ele, de vinte e três anos, alto e magro, com pele muito branca, vestido com um fato escuro e chapéu de aba muito larga. Pareceu-lhe a ela que, de entre os irmãos, era o que tinha mais tino. E não se enganava.
E quando, dias depois, ele apareceu, acompanhado pelas irmãs, Guadalupe José e Rosário José, para pedir desculpas por eventuais desfeitas ocorridas nessa noite de tristes figuras, a simpatia inicial, confirmou-se. Ela era filha única, muito mimada pelo pai, pois a mãe tinha falecido há alguns anos atrás. Muito voluntariosa, assistida por uma legião de criadas, que lhe satisfaziam todos os caprichos, habituada a viver nos dois lados da fronteira, já que a família possuía propriedades em Espanha e em Portugal.
Conheceram-se, e nunca mais deixaram de pensar um no outro. Tiveram que vencer muitas e grandes dificuldades, as diferenças entre aquelas duas famílias eram enormes : O pai dela apoiava o Estado Novo e era admirador de Salazar ; O João José pertencia a uma família que, publicamente, repudiava o regime, e todos sabiam, ajudava os refugiados espanhóis a fugir do Franquismo ; O velho lavrador era amante da lei e da ordem, da organização e do respeito pelas velhas tradições ; O João José era contrabandista, e por mais que uma vez se envolvera, juntamente com os irmãos, em cenas de extrema violência, que não raro acabavam no âmbito da justiça ; Em casa da rapariga respeitavam-se os mandamentos da Santa Madre Igreja, Maria da Conceição tinha recebido uma educação católica e era portadora de todos os sacramentos que uma grande devoção impunha ; Em casa de João José ninguém era baptizado pela igreja, faziam alarde de serem ateus, e até se dizia que eram todos comunistas, rojos, como gostava de acentuar Francisco, o irmão mais velho. Não havia pontos em comum, conforme estão a ver. Tudo os separava. Mas aqueles dois gostaram um do outro e acabaram por levar a sua avante. ( sabem, é que o amor faz milagres, essa conversa dos milagres de amor não é só invenção de escritores e cineastas, conforme vão ver. )
(Continua amanhã)
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