domingo, 20 de junho de 2010

COLABORAÇÃO - DR. JOÃO LUÍS NABO



Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara (Livro dos Conselhos)

Escrevi uma pequena crónica para a “Folha de Montemor” de Abril de 1989, quando José Saramago veio a Montemor para um encontro com os seus leitores na Biblioteca Municipal. Aqui fica um excerto desse texto, numa homenagem derradeira ao escritor, ao Nobel, ao polémico e ao desassombrado. Resquiat in Pacem.


José Saramago - a maturidade dos escritos

O visitante sentara-se ao centro, que é o sítio de honra e, de cotovelo fincado e a mão a apoiar a cara descansada, ouvia de olhos pequenos atrás das lentes grossas as palavras que eram dele e que por ser escritor a outros pertence, que isto de filhos já se sabe que pertencem ao mundo depois de feitos. E ali estava ele. Atento às paisagens e aos factos, às pessoas soltas que ele tinha outrora inventado. Entendeu-se como se pela primeira vez as ouvisse ler. E aqui o escritor não se sente mais que leitor talvez pela milésima vez renovada porque as letras fizeram-se para isso mesmo, e ele usou-as sem lhes retirar o sabor, trazendo sons novos que só atrás da alma que Deus nos deu se tornam noutros, consoante aquilo que se aprende da vida. E ele lá estava, com a manga da camisa a roçar-lhe a orelha que muito ouviu e que depois deu lugar à brancura das palavras.

Muito falou aquele ribatejano duma figa que até podia ser Mau-Tempo em vez de Saramago ou até Gusmão Passarola porque não sonhou menos que esse padre alucinante. E, quando falou, a sala perdeu a pompa da maioria dos colóquios e ficou mais simples e toda a gente gostou porque ele era o tal homem que tinha posto em livro [no Levantado do Chão] o que as pessoas tinham sentido quando antes era proibido sentir. (…)

1 comentário:

Anónimo disse...

José Saramago e o Alandroal.

José Saramago, Cidadão do Mundo, também passou pela nossa terra.

Vamos transcrever, com comentários, as suas palavras.

Início de citação :

« ... e volta o viajante à estrada, a caminho do Alandroal, onde pára apenas para se refrescar. Daí, segue na direcção do sul, na direcção de Terena. Quer ver a que é, de todas as igrejas-fortalezas, a mais fortaleza que igreja. Dizem-no as fotografias, e a confirmação está diante dos olhos. Tirassem-lhe a torre sineira e ficava um castelinho perfeito, com os seus fortes merlões ponteagudos e o balcão que facilmente se transformaria em mata-cães, se é que não foi essa a sua primitiva função. Este santuário de Nossa Senhora da Boa Nova, espacialmente, é como uma torre de planta cruciforme e braços iguais, baixa, atarracada, embora dê, dentro, a impressão de ganhar altura. Jóia preciosa da nossa arquitectura medieval, também porque intacta está, a igreja gótica da Boa Nova ficará na memória do viajante. Por outras memórias andou antes, como a de Alfonso X de Castela, que se lhe referiu nas " Cantigas de Santa Maria ". Diz a tradição que a Boa Nova foi mandada construir em 1340 por uma filha de Afonso IV, rei de Portugal. Ora Alfonso X de Castela morreu em 1284. Será a igreja da Boa Nova mais antiga do que se diz, ou haveria outra igreja no lugar desta ? É ponto a esclarecer, como são para esclarecer as enigmáticas pinturas do tecto da capela-mor, que ao primeiro relance parecem ilustração do apocalipse, mas que apresentam figuras que não se encontram no Evangelho segundo S. João. Nos restantes braços da igreja, vêem-se pinturas hagiográficas populares ... »

Fim de citação.


Quem nos últimos dias tem dedicado mais atenção à obra profana do escritor, devia prestar também alguma atenção ao que ele escreveu sobre o património religioso construído. Eu, que lhe conheço bem a obra, desculpem a prosápia, atrevo-me a dizer que foi o escritor português, do século XX, que mais falou dos nossos monumentos religiosos. A começar, desde logo, pelo " Memorial do Convento ".

E também dedicou algumas linhas a Juromenha e à igreja de Nossa Senhora do Loreto.
Se este desabafo não fosse já tão longo, ainda me atreveria a transcrevê-las. Ficará para outra altura, se assim calhar.


Amadeus Saraband