terça-feira, 29 de junho de 2010

ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA. ( ou fragmentos da vida de uma família raiana )

(Continuação)

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).

Tanto eu, como a Evita, sabíamos que a nossa família era um poço de mistérios e segredos, mas nunca imaginámos que esses mistérios e segredos tivessem tal dimensão.
... e ficámos então a saber que em ...

1937

Eram quatro horas de uma tarde de fim de verão, num pequeno povoado alentejano, à beira do rio Guadiana.
Dois homens, com ar impaciente, esperavam na taberna, por alguém que tardava em chegar. Eram eles, de seus nomes completos, João José Rodriguez Potra e Rufino José Rodriguez Potra. Eram irmãos, como se calcula.
Pouco depois, tocado pelas esporas, um cavalo entrou na rua principal do povoado, esbaforido, levantando uma nuvem de pó, e espantando as galinhas, fazendo com que alguns olhares de espanto e medo se fixassem no cavalo e no cavaleiro.
A aldeia era composta por quatro ou cinco ruas, de terra batida, que convergiam para um largo em que se destacava o edifício do quartel da Guarda Fiscal. Era nesse largo que se situava a taberna do António da Cinza, a única do povoado, diga-se. No lajedo, em frente da taberna, estavam sentados, em volta de uma mesa, resguardados do sol por uma frondosa latada os dois indivíduos acima referidos. Vestiam fato completo, chapéu e corrente de relógio, parecendo, assim, ataviados para qualquer acto solene, digamos que para funeral ou casamento. Nada mais enganador, esperavam apenas por Paco Potra, também conhecido por el " Perro" Potra, ou por seu nome verdadeiro, Francisco Rodriguez Potra de Avelar, e que estava atrasado em relação à hora marcada.
Devem juntar esta personagem às outras duas que já conhecem, pois é em volta delas e de algumas mais, que vai decorrer o que vos quero contar.
Capelins, era em 1936, um pequeno povoado, com cerca de mil habitantes, que apenas se distinguia dos outros povoados em redor, por ali estar instalado o comando da companhia da Guarda Fiscal que controlava a fronteira desde Elvas até São Leonardo, ao longo de cerca de oitenta quilómetros de rio Guadiana e fronteira terrestre. O comandante da companhia vivia no primeiro andar do edifício do quartel e já se tinha apercebido da presença dos irmãos Rodriguez Potra na taberna do António da Cinza. Não lhe agradava a presença dos irmãos na aldeia, pois estes eram considerados pelas autoridades "personas non gratas". Justamente ou não, tinham fama de brigões, de serem contrabandistas e gostarem de mulheres alheias, e quando em ocasiões de muchas cañas davan saludos a los rojos. Até se falava de morte de homem, no entanto, pese embora o empenho dos tribunais, isso nunca se provara. Corriam ainda rumores de que a família da vítima, gente de posses, encomendara a morte de Rufino a uns falangistas, dizia-se serem três, que se tinham destacado nas matanzas de Badajoz, mas afinal quem apareceu a boiar no rio, esfaqueado, foi um dos falangistas. Nos outros dois nunca mais se ouviu falar.
Cavalo e cavaleiro chegaram, já a passo, ao tronco das rédeas, onde já se encontravam as mulas dos Rodriguez Potra. Francisco desmontou e acalmou o sangue nervoso do cavalo que se exaltou à vista das duas mulas. Prendeu o animal e caminhou para a taberna.
Da janela do seu gabinete, o comandante da Guarda Fiscal, olhou para o homem que caminhava lentamente, como que querendo ser visto, calças de cavaleiro com a cintura subida, colete e jaqueta abertos, com os cordões caídos, os safões a proteger-lhe as pernas, e o chapéu mazanttine de aba larga, as esporas de prata tilintando na passada larga, mirando atentamente em volta e tentando reconhecer, na penumbra da latada, os dois homens que o esperavam. O oficial pensava, apreensivo. - " Vão juntar-se os três. Não é decerto por bom motivo - ".

(Continua amanhã)

Sem comentários: