terça-feira, 20 de outubro de 2009

VASCULHAR O PASSADO – POR AUGUSTO MESQUITA

Nota: Este “vasculhar do passado”, crónica mensal do nosso colaborador Augusto Mesquita, mergulha este mês num período recente da nossa História. Período esse bastante conturbado.
Deve ser lido na íntegra, não só pelos mais velhos, para que recordem esses tempos, como pelos mais novos para saberem que a Democracia de que todos nós agora usufruímos, teve os seus custos até se consolidar.


Há 25 anos
A “Vila Notável” foi vítima de acto terrorista


Terrorismo, é um método que consiste no uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida, através de um ataque a um governo, ou à população que o legitimou, de modo que os estragos psicológicos, ultrapassem largamente o círculo das vitimas, para incluir o resto do território.
O terrorismo é um dos pesadelos da civilização moderna, por seu componente de irracionalidade, amplitude de suas consequências e impossibilidade de prevenção. Sua motivação, varia da genuína convicção politica, à ânsia pessoal de afirmação, mas o resultado é sempre a morte, a mutilação e a destruição. Explosivos detonados à distância por dispositivos electrónicos, deram aos terroristas uma nova mobilidade, e tornaram mais letais suas acções.
Montemor-o-Novo, dormia tranquilamente as primeiras horas da noite de 23 para 24 de Setembro de 1984, quando cobardemente, e a coberto da noite, pessoas não identificadas, tentaram espalhar o ódio, o medo e a destruição, tentando atingir assim os seus objectivos políticos, que jamais alcançarão através do voto livre, detonaram três potentes bombas, que originaram enormes estrondos, sobressaltando a população. Eram 2 horas e oito minutos, quando ocorreu o primeiro rebentamento. Às 2 horas e dez minutos, sucedeu nova explosão, e às 2 horas e 11 minutos, ouviu-se o último rebentamento.
A população levantou-se e saiu à rua para saber o que se passava, e verificou que os alvos dos atentados que se ouviram, foram as casas dos lavradores, Senhores Dr. João Inácio Nunes Barata Freixo, Engenheiro João Garcia Nunes Mexia e Dr. António Vacas de Carvalho. As três casas, situadas na Rua 5 de Outubro, Praça da República e Av. Gago Coutinho, respectivamente, sofreram avultados danos.
A porta principal de cada uma dessas residências, voou em estilhaços, enquanto o interior dos edifícios, violentamente atingido pela fortíssima explosão, ficou em boa parte reduzido a escombros, com móveis projectados e despedaçados, paredes e abóbadas abaladas, portas interiores e janelas deslocadas, torcidas, escavadas, e até o telhado, no terceiro piso, foi fortemente levantado e danificado. A experiente mão criminosa usara de rigor científico, na colocação estudada dos engenhos, para atingir os seus fins.
Nas ruas e praças das redondezas, a devastação espalhou-se também pelos prédios vizinhos, e mesmo a grande distância, partiu vidros, e variadíssimos objectos expostos em montras.
Felizmente que os ferimentos pessoais foram poucos e sem gravidade, ausentes que estavam as duas primeiras famílias visadas. Apenas o Senhor Doutor António Vacas de Carvalho, por se ter levantado e chegado à janela ao ouvir as duas primeiras explosões, foi atingido pelos estilhaços dos vidros espalhados pela terceira explosão, ocorrida na entrada da sua própria residência.
A população que saíra para a rua, não escondeu a sua solidariedade com as vítimas desses criminosos atentados, de mistura com a mais severa indignação e repulsa contra os autores de tais acções.
Montemor-o-Novo é terra de gente pacífica e a sua população, em geral, condena sempre a repele em absoluto qualquer terrorismo e manifestações de ódio ou violência, que a nada conduz, e não é admissível em seres humanos.
Os protestos não se fizeram esperar:
Arcebispo de Évora, através da Rádio Renascença.
“Fomos dolorosamente surpreendidos, esta manhã, com a triste notícia de mais um atentado terrorista no Alentejo, em Montemor-o-Novo, curiosamente a terra de S. João de Deus, o apóstolo universal do amor. Acompanhamos com a nossa solidariedade e oração as suas vítimas e lamentamos que se continue impunemente a tentar criar um clima de violência e das mentiras que encobrem tal violência.
Condenamos vigorosamente o terrorismo sob qualquer forma, pois todo o terrorismo é um crime contra a Humanidade. E não queremos deixar de lembrar que pertence ao Estado, através das suas instituições competentes, garantir a segurança social.
Finalmente, apelamos para a consciência dos autores deste crime e das organizações que os apoiaram, para que cessem tais actos que não resolvem problema nenhum e só fazem aumentar o mal, o sofrimento e as lágrimas no mundo.
A Igreja quer continuar a ser um factor de paz e de fraternidade no Alentejo.”
Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
“A Câmara Municipal de Montemor-o-Novo reunida extraordinariamente no dia 24 de Setembro de 1984, para analisar os recentes acontecimentos que tiveram lugar na madrugada do mesmo dia, decidiu:
1.º - Repudiar os atentados bombistas praticados pelos inimigos da democracia e do 25 de Abril.
2.º - Denunciar estes atentados que nada têm a ver com os democratas e as forças progressistas, mas são praticados por forças que a coberto de acções pseu-esquerdistas tentam instaurar no nosso país um regime de terror e de pressão que leve à formação de um Estado totalitário.
3.º - Pôs-se à disposição dos cidadãos atingidos no sentido de diligenciar o apuramento total das responsabilidades.
Montemor-o-Novo, 24 de Setembro de 1984. A Câmara Municipal.”
Partido Socialista.
“O Secretariado da Secção de Montemor-o-Novo do PS, reunido extraordinariamente em 24 de Setembro de 1984, deliberou:
1.º - Manifestar a maior repulsa relativamente aos criminosos atentados bombistas de que foram alvo esta madrugada três residências desta localidade, não se tendo registado vítimas mortais, por mero acaso.
2.º - Manifestar igualmente a maior indignação para com todos aqueles que, situados em quadrantes opostos, sendo lestos a condenar tais actos, não deixam de ser também moralmente responsáveis pelo clima de ódio e intolerância que permanentemente cultivam.
Montemor-o-Novo, 24 de Setembro de 1984. O Secretariado da Secção do PS.”
Comissão Concelhia de Montemor-o-Novo do Partido Comunista Português.
“Na madrugada de hoje, dia 24 de Setembro, pelas 2,15 horas, rebentaram três bombas de alta potência junto às casas de três proprietários de Montemor-o-Novo.
A Comissão Concelhia de Montemor-o-Novo do Partido Comunista Português, os Comunistas, os Trabalhadores, todos os Democratas, condenam e repudiam veemente os actos de terrorismo dirigidos pelas forças de direita e do Governo PS/PSD, que pretendem associar estas manifestações terroristas às forças democráticas para assim melhor poderem justificar a necessidade de repressão da lei de segurança interna e a montagem de serviços de informação pidescos sob o pretexto de combate ao terrorismo, medidas e golpes que a perseguirem, são o caminho da formação de um Estado Totalitário, e ameaçam a própria existência do Regime Democrático.
A Comissão Concelhia de Montemor-o-Novo do PCP alerta toda a população de que actos deste tipo nada têm a ver com a defesa da democracia e do 25 de Abril, mas pelo contrário servem as forças reaccionárias que querem destruir a democracia e o 25 de Abril.
A defesa da democracia e o combate ao terrorismo, passa pelo respeito e cumprimento da Constituição que passa pela demissão do Governo PS/PSD, e pela formação de um Governo democrático que dê um combate firme às forças de direita que com a sua prática terrorista pretendem o regresso ao passado fascista.
Montemor-o-Novo, 24 de Setembro de 1984. A Comissão Concelhia de Montemor-o-Novo do PCP.”
Considerando que o Governo, através do Ministério da Administração Interna, indemnizou o Senhor Capitão Correia, pelos estragos sofridos na sua viatura, estacionada na Rua das Escadinhas, quando dos rebentamentos, ignorando as restantes vitimas, a Câmara Municipal deliberou por maioria, 5 votos a favor e 2 abstenções, a seguinte proposta:
Pagar 50% do valor dos artigos de comércio danificados, e 33% para os valores fracturados (montras, portas e janelas).
O atentado foi imputado às Forças Populares 25 de Abril – “FP 25”, uma organização terrorista de extrema-esquerda, que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Nestes oito anos, mataram dezoito pessoas, a tiro e à bomba, e realizaram mais de três dezenas de assaltos, um dos quais, a uma carrinha de transporte de valores, rendeu 108 mil contos. Em 1985, Otelo Saraiva de Carvalho, foi preso pelo seu papel na liderança das FP 25, e libertado em 1996, pela Assembleia da República, que amnistiou os presos do caso FP 25, através da Lei n.º 9/96, de 23 de Março.

(Publicada na Folha de Montemor, Outubro 2009 e transcrita com a devida autorização do Autor)

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