A matança (3ª e última parte)
Está capaz de ser pendurado, não sem que antes lhe tenha feito o rabo, operação que consistia num corte em circunferência em volta do ânus, que torcido não deixava sair as fezes. Levava dois golpes nas patas detrás de onde se destacavam os nervos, por onde se enviava o “chambarilho”, peça feita de pau, com duas alturas nas
extremidades, que suportava o porco, pendurado da madre do telhado.
Havia quem utilizasse, para pendurar o porco, uma escada. Preferi sempre a suspensão da madre, trabalhava-se mais a vontade.
Agora o porco está por minha conta e do meu tio Viegas.
As mulheres, a minhas tias Antónia e Gertrudes, prepararam os utensílios, tais como tabuleiros, alguidares, facas, tripas de vaca, pimentão moído e tudo o demais necessário ao enchimento da carne.
Vamos abrir o animal.
Começo por tirar a língua e algumas molejas da barbela, em seguida o do osso do peito.
Entre as pernas detrás do porco faço um pequeno golpe, onde meto dois dedos da mão esquerda, para proteger e acompanhar o bico da navalha, que abrirá toda a barriga do porco. As tripas acabam por cair num tabuleiro, onde as mulheres tiram algumas gorduras e ”tiés” que servem para fazer banha e torresmos.
Furei algumas tripas.
Segue-se a tiragem das “fressuras”, fígado, bofe, baço e o coração.
Observava sempre o coração para verificar o número de golpes, quando do espetar da faca.
Daqueles órgãos do porco sai a primeira refeição.
Segue-se a tiragem dos lombinhos, depois as banhas. Estas operações eram fácies de fazer, rompido o “tiés” bastava meter a mão e pressionar.
Quando o porco era comprado, uma das banhas pertencia ao vendedor, sendo pesada com o porco no dia seguinte ao da matança, o dia da enxuga.
Após a pesagem, já com o porco enxuto, é-lhe, ainda pendurado, corta cabeça, depois desce da madre e segue-se a operação de “desmanchar”.
O meu tio Viegas era o meu ajudante.
Começo por abrir o porco, ao meio com o auxílio de um machado.
Tiro os lombos, já a custarem mais a tirar do que as banhas ou os lombinhos, talvez pelo cansaço e a posição.
Na inserção do lombo no osso da anca, ficava (ou fazia-se por ficar) sempre um bocado.
O meu ajudante estava sempre desejoso que eu não me esmerasse na tiragem.
Quando tirado o osso, um bom bocado do lombo ficava a descoberto e fácil de cortar.
Os dois bocados eram levados, pelo meu tio, à Marianita, rapariga que esteve em casa de meus pais até casar, que os salgava de alho e sal. Depois de assados eram cá um petisco.
As tripas eram lavadas na água corrente do ribeiro de Alcaide, não me lembro de irmos ao Lucifecit.
A separação da carne dos ossos e a operação de migar, eram tarefas das mulheres e quase sempre à noite.
Depois era tempera com sal e pimentão ou com alho e sal, estando três ou quatro dias a tomar gosto.
Havia sempre muito cuidado para a carne não apanhar lua, em noites desta, claro.
Nunca consegui entender o porquê?
Depois vinha o enchimento, operação tão morosa como o migar, onde os bocadinhos de carne passavam por uns pequenos funis e assim iam enchendo as tripas do próprio porco e de vaca, fazendo nascer os paios, farinheiras, morcelas, chouriças e todos os seus derivados, que iam enxugar na chaminé, ao lume nas grandes noite de Inverno.
A matança era e ainda é, um pouco, sinónimo de fartura e de oferta, sempre se presenciava alguém com um jantarinho de carne.
A última matança.
E já passaram treze anos.
Falei da porca branca e dos seus filhos. Numa ocasião ficaram três porcos para engorda, destinados a serem mortos na casa. Já não tinha o meu ajudante, nem o meu mestre, mas ainda havia na família, pessoal suficiente e capaz para tal acto.
Fomos, eu, o Bráulio e as famílias e com algumas ajudas conseguimos, não só, matar os três porcos como tirar tês presuntos. Foi uma maratona de dois dias e dois serões de intenso trabalho.
É, sem dúvida, uma tradição em risco de se perder, não só pela falta de pessoas que a praticavam, como pela industrialização e o seu consequente comércio da carne.
No meu caso familiar a tradição da matança morrerá comigo.
Aquela foi a minha última matança, a matança da recordação e da saudade.
Hélder Salgado.
27-04-2009.
Fotos: Net
3 comentários:
Afinal o presente é igual ao passado.
Eu, como muitos outros, tive que me ausentar da minha terra para ter um emprego de acordo com as habilitações que tinha.
Como pensava de forma diferente dos dirigentes do meu Concelho, durante muitos anos, quando entrava na Câmara era considerado um perigoso capitalista, embora tenha vivido sempre e só do meu trabalho. Era "capitalista", apenas porque não concordava com o roubo que foi a "reforma" agrária e dizia-o em qualquer café.
De há uns anos para cá, comecei a sentir-me melhor no meu Concelho e na minha Aldeia.
Comecei a ver mudanças significativas e a sentir recompensado o meu orgulho por esta terra.
Mas, parece que foi sol de pouca dura porque me senti maltratado novamente.
Tinha ligado para a Câmara para saber com quem tratar um problema que tinha no meu monte e responderam-me que o assunto em causa era do pelouro do senhor Vereador Galhardas.
Como havia fim-de-semana polongado, meti 1 dia de férias e aí vou eu para antes do feriado falar com o senhor Vereador Galhardas, pessoa que conheço bem e de quem tinha boa impressão.
Cheguei à Câmara e fui informado que o senhor vereador Galhardas estava de férias.
Azar o meu pois toda a gente tem direito a férias.
Só que, qual não é o meu espanto quando hoje, sexta-feira me confronto com o senhor Vereador Galhardas no Alandroal e no Jeep da Câmara.
Fiquei indignado,como é natural, pois das duas uma; ou me enganaram e o senhor veredor não estava de férias, ou estando de férias continua a usar a viatura da Câmara.
Não posso estar no Alandroal na segunda-feira, porque senão estaria na Câmara para pedir uma resposta de quem de direito.
É que se o Vereador Galhardas não está de férias alguém está a enganar os munícipes.
Se de facto está de férias, não compreendo porque utiliza o carro da Câmara.
Eu trabalho no sector privado, sou director de uma empresa e por isso tenho uma viatura distribuida mas, a primeira coisa que faço quando entro de férias é deixar o carro na garagem da empresa, até porque, sendo o carro da empresa pode ser necessário para o serviço.
Porque razão este senhor tem o privilégio de usar a viatura se é verdade que está de férias.
É uma questão que vou tentar esclarecer junto do senhor presidente da Câmara.
Nota: Antes que perguntem, não tenho receio de me identificar mas será a quem de direito.
O Jeep serve para tudo.
Férias, passeio e compras com a esposa.
Enfim sãos os politicos a gozaramm com os nossos impostos.
mas é só este?
ou são todos a começar de baixo até acima?
pois é, senhor "capitalista", a sua indignação tem sentido mas veja se consegue ir mais longe e não ficar só pelo sr Galhardas.
aí aonde você vive
comece já por aí não precisa de vir cá tão longe se quiser trabalhar para o bem do país.
gente como você é que faz falta
vai ter serviço para o resto da sua vida
as minhas saudações
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