quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

RECORDAR O PASSADO - PELO HELDER SALGADO

Final

AS LOJAS - santuário do entendimento -.

Que diferença entre o fiado e o cartão de crédito ao consumo?
Assisti a actos que me marcaram até hoje e que agora partilho convosco.
Fregueses houve, não muitos, que compravam “meio arrate” de toucinho, um “quartinho” de morcela, 0,5 decilitro de azeite. Não sei qual era o peso correspondente, mas julgo que o “quartinho” eram 125 gramas.
Quem hoje fará compras nestas quantidades?
Um dia um freguês pedia fiado e a minha mãe negara-lho. Pedia entre outras coisas um
pacote de farinha 33, embalagem verde escura, com a pintura de um atleta com uma corrente nas mãos e com a inscrição “ é para o avô e para a neta e também para o atleta.” A minha mãe argumentava “já lá tem tanto e não paga” o freguês retorquia
“que mais faz, eu levá-la ou tê-la aí”.
Na inocência de criança indaguei a minha mãe.
Compreendi as dificuldades da vida de um e de outro lado.
Penso ter emergido daqui, uma das minhas maneiras de estar nesta vida.
O mercado abastecedor era o de Estremoz, aos sábados.
Íamos lá dormir: Ficávamos numa estalagem, a do Gaudêncio. Nas noites frias de Inverno, estávamos ao lume até tarde e depois dormíamos na cavalariça atrás das
bestas. Eram quase dois dias a efectuar este trajecto e a operação compras.
A vida era difícil para todos.
Hoje, passa-se o cartão e paga-se. Tudo é fácil.
Mas se não há dinheiro? Lá vem a penhora aos bens e se não há bens, ao vencimento.
E paga-se com juros.
Não foi do meu conhecimento, quando da operação do “Derrisque”, que algum comerciante levasse juros pelo atraso do pagamento, aliás este era consentido
depois de previamente combinado.
Esta operação era um verdadeiro suspiro de alívio, um bem-estar de consciência.
O freguês tinha o registo das coisas que levara fiado, o comerciante o livro, assim
a escrita batia certa. Quando não batia dizia-se que fulano “tem um lápis de dois bicos”.
Assim se viveu e ainda se vive, já com pouca intensidade, no nosso Concelho.
O leitor que me vem acompanhando que busque as diferenças e as medite.
A loja, esse santuário, onde da boca de várias pessoas, ouvira a frase “se a Barragem viesse”, e a gravara na memória, representa o epicentro do Movimento de Intervenção e de Cidadania, que originou, logo em 75, o chamamento de atenção para a feitura da Represa do Lucefecit.
Quem, de bom senso, se pode esquecer destes episódios ou outros de igual semelhança?
Qual é a pessoa de boa formação, se queda e não luta contra a inércia, o comodismo, a castração de ideias e sobretudo contra aqueles que nos querem tornar a sua voz, a voz do dono?
Vamos sair da loja. Estou satisfeito com a vossa companhia, acreditem.
Obrigado, muito obrigado por me terem acompanhado.
Não sei porque sou assim
Só sei porque assim sou
Dou sempre um pouco de mim
Do pouco que ainda sou.


Helder Salgado
14-02-2009.


Nota do Administrador do blogue: OBRIGADO HELDER. FOI MUITO BONITO!

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro amigo HELDER,
Fiquei imensamente feliz por tudo aquilo que escreveste,dás-nos o prazer de recordar e se bem me lembro, recordar é VIVER...felizes aqueles que podem recordar,pois demonstram que viveram e quem viveu é porque deu ou deixou, algo aos outros.Só desta forma a vida pode ser vivida e entendida, quem nada disto fez,mal o dele, não viveu, vegetou...
Um grande abraço,
HOMERO