segunda-feira, 28 de abril de 2008

POETAS DO CONCELHO DO ALANDROAL

Ainda a Festa dos Prazeres.

A hora do ADEUS

A Festa tem mais encanto
na ternura do Adeus
tantos lenços, todos brancos
pureza dos olhos meus.

Lenço rico, lenço pobre
no acenar não importa
lindo gesto, gesto nobre
assim seja em cada porta.

O lenço afasta o desgosto
cala a mágoa e o tormento
uma esperança em cada rosto
sem calar o pensamento.

Lenço de lágrimas perdidas
dos humanos, sem deveres
e de outros, tão sentidas
nesta Festa do Prazeres.

Pergunto ao lenço que acena
o que pensa cada mão
o lenço também engana
e vai escondendo a razão.

O lenço não quer falar
só silencio, só segredo
há tanta gente a espreitar
quem trabalha não tem medo.

De oração, em oração
o lenço vai acenando
no teu santo coração
muita prece vai ficando.

O lenço pedindo está
em agitação desmedida
do que tem, bem pouco dá
querendo a contrapartida.

Oh lenço da minha Terra
branco? ou de outra cor
não voltes à outra era
não cales, mostra valor.

Boa Nova, Boa Nova
em noticia comovente
Senhora ouve esta trova
ilumina toda a Gente.

Nota
O autor revê a Festa, no acenar à Virgem. Não a Festa pela Festa, mas a Festa pela interpretação de cada um, do invisível que arrasta multidões, a que chamamos Fé.
A Festa pela Tradição, pela continuidade e sua legitimidade Popular, pela mística bairrista.
Por não ser poeta, resolveu não assinar os versos, identificando-se perante o responsável do Blog.
Considerou o dito popular “de menino poeta e louco, todos nós temos um pouco” e ao assistir, este ano, de 2008, à entrada da Senhora da Boa Nova para o Santuário, mesmo sem conseguir acenar à Virgem, comoveu-se, emergindo daí, a ”loucura” de escrever estas quadras, que decidiu partilhar convosco.
São as andanças da vida, POEMA DE UM LENÇO SÓ.
O autor.

1 comentário:

Marília Gonçalves disse...

carlos domingos, portugal

CANÇÃO DE ALANDROAR





Aquela branca flor de alandroeiro

era a única luz do alandroal.

Nem a lua rompia o nevoeiro

nem o sol punha um riso matinal.



Ali reinava a treva o dia inteiro.

Ser de noite era um estado natural.

Não duravam as flores no canteiro

e apodrecia a água no canal.



O vento ameaçava, em tal berreiro

que tremia de medo o canavial.

Trovejava o relâmpago certeiro

zunindo como um látego infernal.



Tal o rancor, o ódio verdadeiro

a abater-se em torrente no local,

que até mesmo o impávido coveiro

pedia ajuda aos mortos do coval.



Mas o povo sorria, prazenteiro,

numa beatitude divinal.

Bailava e patinhava no lameiro

indiferente aos dentes do chacal.



Os homens riam com olhar rafeiro

e as crianças, em saltos de pardal,

vinham brincar com ossos no palheiro

e mascarar a dor de carnaval.



Foi quando rebentou a flor. Primeiro

era um botão, um tópico, um sinal.

Depois desabrochou e, logo, um cheiro

a espaço aberto dominou o vale.



Vieram as crianças a terreiro

entoando cantigas de natal.

Veio o pastor, o cavador, o oleiro,

o almocreve, a ceifeira, o maioral.



Uma flor branca abriu ao povo inteiro

o clarão de uma esperança universal.

Amainou a água turva do ribeiro,

deixou de ser agreste o matagal.



Estoiraram foguetes no outeiro,

repartiu-se irmãmente o pão e o sal.

Já se apertava o braço ao companheiro,

abriam-se olhos negros no olival.



Eis que, lá longe, surge um cavaleiro

galopando veloz, branco de cal,

num corcel negro a deslizar ligeiro

como nuvem em pleno temporal.



Aproxima-se mais o viageiro

(esqueleto emergido do coval).

Traz na boca um sorriso traiçoeiro

e, a tiracolo, o ódio no bornal.



Desembainha um arrepio. Ligeiro

esconde-se nas sombras de um portal.

Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro

cai, desfeita de dor, no lodaçal.



Um grito de alma ecoa no terreiro.

Um pesadelo instala-se, brutal,

quando a flor branca rola no ribeiro

e parte, envolta num palor mortal.



No mesmo instante, a meio de um junqueiro,

brota uma flor de sangue, sem igual.

Desde esse dia de ódio derradeiro

nunca mais ninguém riu no alandroal.


Carlos Domingos