Assessores, moços de recados e peregrinos insensíveis
Eduardo Luciano
Quinta, 20 Julho 2006
Nesta época do ano, as dificuldades do cronista para alinhar ideias que possam ser ditas aumentam substancialmente. Tudo parece ter ido a banhos.
Felizmente que existem umas almas que levantam publicamente uma ou outra questão que vale a pena abordar.
Durante a semana que passou, alguma imprensa levantou o véu sobre a quantidade de assessores avençados na Câmara de Lisboa e o custo que isso teria para o erário público.
Ontem, a edilidade lisboeta tornou pública a tal lista com os respectivos vencimentos médios auferidos.
Para mim a questão foi abordada de forma completamente errada. O problema não está, nem na quantidade de assessores, nem no que cada um aufere pelo seu trabalho.
Um presidente de câmara ou um vereador não tem necessariamente de saber de todas as matérias sobre as quais tem de tomar decisões. É perfeitamente normal que reúna à sua volta um conjunto de profissionais, especialistas de diversas áreas, que o ajudem na sua tarefa. Por outro lado a questão dos valores auferidos não pode ser vista de forma absoluta. Haverá assessor que ganhe 1000 euros e esteja mais do que bem pago e haverá assessor que ganhe 5000 euros e esteja mal pago.
O que seria interessante saber é quem são os assessores, como foram contratados, quais os critérios de escolha e o que faziam no momento imediatamente anterior à sua contratação.
Oiço dizer que os assessores contratados pelas edilidades são quase sempre escolhidos em função das suas fidelidades partidárias e, dentro destas, de fidelidades pessoais. Ora a noção que tenho de um assessor é a de um especialista de uma determinada área do conhecimento que ajudará quem tem o poder de tomar decisões, a fazê-lo de forma tecnicamente sustentada. Não é propriamente a de um moço de recados que, como prémio pelo empenho na campanha eleitoral, fará o favor de fazer aquilo que o eleito não pode ou não quer fazer.
Entendo, por exemplo, que quem participe de forma activa numa campanha eleitoral se deva auto inibir de aceitar avenças como assessor nessa câmara municipal, sob pena da descredibilização completa do que se faz e diz nesse período eleitoral. Será sempre visto como alguém que andou a apregoar a bondade de uma proposta política mas que no fundo apenas estava a lutar por emprego melhor remunerado.
Depois bem pode ostentar o título de assessor, que os eleitores vão sempre olhar para a personagem como uma espécie de batráquio que saltita em torno do eleito.
E é por aqui que a questão tem de ser colocada e não pela tentação populista de apontar o dedo e dizer: são muitos e ganham muito.
Deixo-vos ficar o meu desconforto por algumas imagens que vi na televisão num noticiário da hora de almoço de ontem.
Tratava-se da chegada de uns peregrinos que tinham ido em excursão a Israel. Os jornalistas foram entrevistar os recém chegados que lá foram dizendo que não sentiram a presença da guerra, que sempre se sentiram seguros e que tudo correu maravilhosamente bem.
A peça terminava com o grupo de peregrinos entoando cânticos com um ar de felicidade impar.
Na minha frente tinha a edição do Público de ontem, com uma foto de uma criança, de mãos espalmadas contra um vidro de um autocarro, que gritava pela mãe que tinha acabado de deixar ficar no Líbano, debaixo da agressão militar israelita.
Os cânticos e o ar de felicidade dos peregrinos pareceram-me naquela altura uma outra forma de agressão àquela criança que estava na foto.
Como dizia Saramago, é mais fácil ao homem chegar à lua do que ao seu semelhante.
Até para a semana
Uma amabilidade da:
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