quinta-feira, 18 de outubro de 2018

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


                                                                                                     EDUARDO LUCIANO
                                            CRÓNICA FORA DE TEMPO
Um destes dias entrei por impulso numa livraria da cidade e adquiri um livro (detesto a palavra comprar num tempo em que a principal mercadoria é a consciência). Como sempre faço deixei que o livro me escolhesse depois de passar os olhos por um sem número de capas e lombadas, maioritariamente de mau gosto, que reflectem os temas mais comuns e correntes, da economia à psicologia de algibeira, do conheça-se a si próprio ao como ter sucesso em dez passos, do como educar o seu filho em três etapas ao como emagrecer continuando a comer toucinho.
O livro que me escolheu foi escrito por autor já falecido, apesar de ser uma edição em português já deste ano de 2018 (começa a acontecer-me muito. Ser escolhido por escritores e músicos já falecidos, embora ainda vivos nas suas obras. Deve ser da idade).
É um livro sobre a memória ou a sua ausência, ou talvez sobre a reconstrução da dita a partir de um AVC que atropelou o personagem deixando-o com uma vida em branco no que ao conhecimento de si próprio diz respeito, embora se lembre de todos os livros que leu, de todos os enredos que percebeu.
É um livro cheio de livros lá dentro, porque o autor coloca o personagem a citar inúmeras passagens de obras marcantes da história da literatura. É um livro escrito para leitores de livros e que os consumidores do óbvio não irão achar muita graça.
Umberto Eco não era homem de brincar em serviço nem de facilitar a vida a quem tem o prazer de ler.
Ao ler “A misteriosa chama da Rainha Loana”, somos levados a questionar o nosso passado, a sua existência e a forma como nos recordamos ou esquecemos de coisas tão simples como o nome dos nossos pais, a casa onde vivemos ou a pessoa com quem casamos.
Tudo fica em causa se conseguirmos colocar-nos na pele do personagem que se lembra que Giambattista Bodoni era um tipógrafo famoso do período napoleónico, mas não sabe o seu próprio nome nem reconhece o seu rosto num espelho.
Já perceberam que esta é uma crónica de divagações, ditada pela minha prima Zulmira que é uma feroz admiradora de algum diletantismo literário.
Escrevo-a porque a alternativa era escrever sobre aves e estava indeciso entre o cuco e o bufo (peço desculpa mas o meu republicanismo não me permite chamar-lhe real).
Já me estava a esquecer que este espaço é de intervenção política e nem sequer comentava a remodelação governamental.
Porque a crónica vai longa quero apenas declarar que, ao contrário da deputada Isabel Moreira, me estou nas tintas para a cor do cabelo ou a orientação sexual da novel ministra da cultura. É assunto privado da senhora. O que me importa mesmo é saber se nos aproximamos do 1% do orçamento para cultura, se as regras dos concursos da DGArtes vão ser alteradas e simplificadas ou se o cumprimento do desígnio constitucional do acesso à cultura irá continuar refém da lógica da submissão à ditadura do deficit.
Afinal sempre consegui cumprir a tarefa de abordar a actualidade política que, por falar nisso, tem tudo a ver com a memória. Em particular aquela que fascistas de novo tipo querem plantar. Lá tinha que falar de bufos.
Até para a semana



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