MARIA HELENA
FIGUEIREDO
NÃO É NÃO!
Esta semana foi grande a
comoção que atravessou o país por causa da acusação que uma jovem americana fez
a Cristiano Ronaldo, de a ter violado há nove anos, depois de uma noite numa
discoteca em Las Vegas.
Se
violou ou não caberá aos tribunais decidir e, pelo que é dado ver, quer a moça
quer Ronaldo têm bons advogados.
Ninguém gosta que os seus
heróis tenham pés de barro e por isso muita gente, motivada pela admiração pelo
jogador de futebol e pelo seu percurso de menino pobre, tem saído em defesa de
Ronaldo, no que só pode ser um exercício de fé, já que do caso, em rigor,
apenas se sabe o que uns e outros vão passando à comunicação social. Ronaldo
beneficia da presunção da inocência e esperemos que no final se prove que não
cometeu qualquer crime.
Mas
o que quero aqui assinalar a propósito deste caso, é , no fundo, a forma como a
nossa sociedade continua a olhar para os crimes de violência sexual,
designadamente os casos de violação, como a sociedade é ainda tolerante para
com este tipo de violência e como acaba sempre, em maior ou menor grau, a
desculpabilizar o agressor e a penalizar a vitima.
Estamos ainda, enquanto sociedade, reféns de uma visão que retira às mulheres a plenitude dos direitos enquanto pessoas, tratando-as como seres menores, especialmente quando falamos na relação sexual.
Estamos ainda, enquanto sociedade, reféns de uma visão que retira às mulheres a plenitude dos direitos enquanto pessoas, tratando-as como seres menores, especialmente quando falamos na relação sexual.
Ainda hoje às mulheres, desde
meninas, é passado o código do bom comportamento, o código da “mulher séria”. A
tal que não tem ouvidos quando na rua lhe dizem que é boa e que lhe faziam isto
ou aquilo, a tal que não deve usar roupa muito justa ou curta ou andar de peito
à mostra, especialmente em certos locais mais frequentados por homens; a que
deve ver se tem as pernas bem fechadas quando se senta, para não parecer que
está a oferecer sexo. A que não dança sozinha numa discoteca para chamar a
atenção dos homens e provocá-los.
Apesar
de mais ténue que há umas décadas, esta é ainda a visão passada mesmo por quem
tem responsabilidades na formação da opinião pública e é mulher. Há dias na
televisão uma médica dizia que as mulheres usando decotes grandes ou rachas nas
saias estão a assediar os homens. Uma afirmação em que seguramente a maioria
das mulheres não se revê e que é ofensiva até.
O
caso de Ronaldo veio trazer mais uma vez ao de cima a cultura antiga, muito
arreigada, de submissão e tolerância para com a violência sexual sobre as
mulheres. Basta uma passagem pelas redes sociais para vermos os argumentos que
são avançados para retirar a culpa ao homem e colocá-la na mulher. Para além
dose comentários alarves quanto ao sexo praticado, abundam o “Estava a
pedi-las”, “Andou enrolada a noite toda e depois queixa-se”, “foi para o quarto
com ele , esperava o quê? “É uma prostituta de luxo queria o quê?” .
Sim
a pergunta é exactamente essa, o que é que quer a mulher ? É preciso que se
interiorize que quando uma mulher diz “Não” nada legitima que se assuma que
afinal quer dizer sim, que se está “a fazer cara”, como tantas vezes ouvimos
dizer e dá jeito a alguns.
Mesmo
numa relação sexual paga, uma prática não consentida é uma violação. Esqueçamos
as tecnicalidades jurídicas, violação significa uma qualquer prática sexual
contra a vontade do outro.
Basta
uma das partes dizer que não quer – não quer a relação sexual ou não quer uma
determinada prática sexual – para a outra parte não a poder constranger ou
forçar: se o fizer está a violar, está a cometer crime.
É
portanto irrelevante tudo o resto que anda à volta: a roupa que está ou não
vestida, o ambiente de sedução mutua ou mesmo que a relação sexual se tivesse
iniciado ou seja paga.
Também
não se diga que este é um problema menor e que estes são casos esporádicos. De
acordo com o estudo publicado no inicio do ano sobre violência no namoro, 8%
das estudantes universitárias inquiridas admitiu ter sido forçada a
comportamentos sexuais não desejados.
Um
número muito alto, sem reflexo nas estatísticas das queixas apresentadas,
porque as vitimas sabem que com muita probabilidade serão elas as acusadas.
Teremos
evoluído muito em muitos domínios mas no que toca às mulheres a cultura de
submissão ao poder masculino ainda prevalece. E a violência sexual sobre as
mulheres bem nos mostra isso.
Até
para a semana!
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