Estes relatos que esporadicamente me acodem à memória, têm
apenas o simples intuito de relembrar, em princípio nomes de pessoas que muito
contribuíram para a formação do caracter que desde sempre me norteou,
prestar-lhes a merecida homenagem, tambem os locais marcantes da minha
meninice, e ao mesmo tempo servirem de termo de comparação com a paisagem, a
vida, os usos e costumes de há sete décadas atrás.
A foto anexa fez-me acudir à memória o Monte das Águas
Frias, e para todos aqueles que conhecem o local, poderão pelo relato que se
segue, elaborar um termo de comparação de como o local se modificou e como a
paisagem se alterou, muito devido ao sonho de aproveitar o Rio Guadiana para
ser construída a agora bem-vinda Albufeira do Alqueva.
Eram assim as Águas Frias da minha meninice.
Acabados os quinze dias de permanência no Monte da Barranca,
espaço de tempo que durava a debulha (assunto que relatei recentemente), era
altura de remar para as Águas Frias, também propriedade do meu progenitor Chico
Garcia.
Desta vez a deslocação fazia-se no carro de parelhas, devido
às dificuldades dos caminhos. Conduzido pelo Manecas, e com três ou quatro
“criados”: o meu pai, o Farinheira, o Jaleca, o Jaquetas, o Pirolito, entre outros, sentados em cima da
palha, pois o carro era antecipadamente carregado de palha (já vão saber
porquê).
Trambolhão daqui, trambolhão dali, muitas vezes por caminhos
que de estrada nada tinham, lá avistávamos o Monte, onde o meu bisavô (Manuel
Honrado), era o guardião, o cozinheiro, o hortelão e outros ofícios que fossem
necessários, e que de imediato procedia à feitura do gaspacho (capacho, para a
maioria de todos os alentejanos). A propósito saibam que se tratava de um
gaspacho “pobre”, pois segundo o meu critério há-os “pobres” e “ricos”.
Gaspacho pobre apenas, água, alho, sal, pepino tomate um pingo de azeite e
muito vinagre, enquanto um gaspacho “rico” é acompanhado por peixe frito,
presunto, paio, batatas fritas, frutas, etc. Um autentico manjar digno de ir à
mesa do rei!
Tinha esta deslocação a única finalidade de proceder à
colheita do meloal e do melancial, pois era ali, aproveitando os terrenos húmidos
da Ribeira do Lucifecit que se cultivavam tais frutas.
Assim, ainda mal raiava o dia, enquanto uns colhiam os
melões e as melancias, o Manecas acomodava-os entre a já referida palha, no
intuito de evitar o contacto para que os mesmos chegassem inteiros ao destino.
Era esta a altura para eu proceder à exploração dos pégos,
em busca de algum com água suficiente para não só me refrescar como tentar a
apanha à lapa algum peixe menos escorreito, recolher algumas "atabuas" para
transformar em “flechas”, que lançadas pelo “arco” feito de uma vara de
alandro, iria no regresso fazer furor perante a gaiatagem da minha mocidade.
Terminada a azáfama, e depois de mais um “gaspachinho”, era
altura de regressar à Barranca, onde se iria pernoitar, para no dia seguinte se
levar a “carga” para a Vila. Regresso esse onde apenas o gaiato (eu), tinha
ordem de ir sentado em cima da palha e dos frutos, pois o resto do pessoal, num
equilíbrio arriscado lá se ajeitava nos varais do carro.
Chegados à Vila e já “estacionado” o carro de varais era
altura de proceder à descarga.
Outro “ritual” no qual me era permitido participar, e que um
dia mais tarde irei aqui recordar noutra “Memórias”.
Chico Manuel
Agosto 2018
6 comentários:
OBS.
O gaspacho,as atabuas,os melões e as melancias,os carros de parelha,o
ambiente e o carreiro está tudo bem.
É de ler. Vai ser lido.
O que me parece esquisito, é que o Autor desta narrativa, o Progenitado,
Francisco, tenha dois progenitores... Será que foi apenas algum
"trambolhão linguístico" dado precisamente naquele belo momento em que
decidiu arquivar na sua memória o que, hoje, aqui nos veio contar?
Saudações
ANBerbem
Chico
Ao ler estas autenticas aventuras da tua infância, não pude deixar de recordar outras tantas que se passaram comigo, semelhantes a estas e a tantas outras do nosso pequeno grande mundo.
Vai contando..., a outra e a próxima..., fez-me bem..., faz-nos bem à alma.
Obrigado.
Aquele Abraço,
LF
Também reparei nessa do "progenitor"
Fez-me sorrir e penso que compreendi a questão.
Abraço ao ANBerbem e ao Chico.
LF
Agradecido pela leitura e pela pertinente observação. Claro que são erros de quem se arma em escritor, sem que para tanto tenha as devidas habilitações.
Claro que pai há só um, o António, e se apelido a personagem Chico Garcias de progenitor, é porque claro sempre me protegeu.
Assim António foi o meu genitor e tive a proteger-me o Chico e a Dona Antonia Garcias, que ainda hoje considero como "segundos pais".
De qualquer forma a intenção era recordar tempos de infância e a evolução verificada em tal local. E isso parece-me que foi conseguido!
OBS.
A observação de que os teus protectores foram uns "segundos pais" está
bem achada e capazmente respondida.
Até porque se formos a ver bem o que se diz e se escreve "Pais" temos
bastantes a começar pelo Pai Nosso..., os Pais da Europa,os Pais da
Democracia, os Pais do Porto ou do Benfica (na minha opinião foi o
Eusebio).Os pais disto e daquilo.
Às tantas são mais os pais do que os filhos e, se repararem bem, é esse
o cenário que Portugal percebe desde que D. Afonso Henriques se tornou
o nosso vetusto pai.Em Guimarães ou em qualquer outro Local.
Adiante, porque os ventos sejam de que natureza forem, felizmente, não
sopram sempre para o mesmo lado... Variam e muito os seus custos e
(en)quadrantes.
Saudações especiais
ANBerbem
Muito interessante
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