segunda-feira, 23 de julho de 2018

VASCULHAR O PASSADO - Por Augusto Mesquita


                       GRUPO CÉNICO “OS MONTEMORENSES”
 A história do teatro confunde-se com a própria história da humanidade. A arte de representar, encontra a sua origem nas situações vividas pelo próprio ser humano, que por religiosidade, louvor, prestígio, entretenimento, ou simplesmente, pela pura expressão artística, apresenta os seus sentimentos, de um modo muito parecido ao mundo real.
Quem tiver de referir-se a Montemor-o-Novo, à sua história, aos seus costumes e às preferências dos seus habitantes, não pode, não deve deixar de dizer que a Vila Notável manifestou desde há muitos anos o mais vivo interesse e amor pela arte dramática. Há notícias de récitas no teatro que funcionou no Convento de S. Domingos no qual representou a actriz Rosa Damasceno, então muito jovem (nasceu em Gondomar em 23 de Fevereiro de 1845) e no princípio da sua brilhante carreira.
Mais tarde, fundou-se outra casa de espectáculos no Convento de S. João de Deus no espaço onde funcionou a Tesouraria da Fazenda Pública. Seguiu-se o Teatro Talma que funcionou numa casa junto aos Paços do Concelho, onde mais tarde esteve instalado o posto da PSP. Ali se representou entre outras, a peça histórica de Almeida Garrett – D. Filipa de Vilhena.
Mas esses “teatrecos” que se improvisavam e desfaziam com igual facilidade, montados em casas mais ou menos defeituosas para o efeito, não satisfaziam as justas e louváveis exigências dos filhos de Montemor-o-Novo. Porque estes queriam um teatro a valer e para realizarem essa aspiração, foram trabalhando devota e afincadamente, até que, devido aos esforços e boa vontade dos mais entusiastas, se fundou, enfim uma empresa por acções que deu início à construção do Teatro Montemorense na Rua Nova, no local onde se encontra instalada a União de Freguesias.
Em 1874 começaram os trabalhos para a construção do teatro, cuja obra foi concluída em Setembro de 1882 e inaugurada em 2 de Setembro do ano seguinte por ocasião da Feira da Luz. A nova casa de espectáculos que ficou muito bonita e elegante, ainda que um pouco acanhada, tinha uma ordem de frisas, duas de camarotes, além da plateia com cerca de trezentos lugares. Na estreia esteve presente uma das melhores companhias de Lisboa em que entrava o distinto actor Taborda que recitou com muita graça a cena cómica “Ventura o Bom Velhote”.
Quarenta anos depois, em 19 de Maio de 1922 foi o Teatro Montemorense, também designado “Curvo Semedo”, devorado por um incêndio que apenas deixou de pé as paredes exteriores. Decorridos alguns anos, a Câmara Municipal mandou executar no local, instalações para a Caixa Geral de Depósitos e a Casa dos Magistrados, conforme projecto elaborado pelo Arquitecto Raul Lino.
Ainda com o Teatro Montemorense em funcionamento, no dia 24 de Abril de 1920 na Rua da Indústria (actual Capitão Pires da Cruz), foi inaugurado o Cinema Talma com o filme “A Batalha da Jutlândia”. Foi a primeira sala do género que se instalou na Vila Notável. Alem do cinema, e como o nome indica, o espaço também organizava espectáculos de teatro.
No espaço antes ocupado pelo Cinema Talma, depois de avultadas obras, surgiu em 27 de Outubro de 1935 o Rádio Cine, que além de cinema, também proporcionava espectáculos teatrais. O Rádio Cine viria a fechar portas em 1966.
Em 17 de Janeiro de 1960 foi inaugurado o Cine Teatro Curvo Semedo, a maior sala de espectáculos situada a sul do Rio Tejo. Procedeu à sua inauguração o Ministro das Obras Públicas, Engenheiro Arantes e Oliveira, acompanhado pelo Subsecretário da Educação Nacional Dr. Baltazar Rebelo de Sousa, pai do actual Presidente da República. No espectáculo de inauguração foi levada à cena pela Companhia Nacional “ O Processo de Jesus”.
Além destas casas de espectáculos, também a Sociedade Carlista, o Círculo Montemorense “Pedrista”, dispõem de palcos onde o seus associados sem carácter permanente se têm exibido há mais de um século com bastante agrado.
Igualmente, o extinto “Leões Futebol Clube Montemorenses”, que funcionou na Rua dos Almocreves,  possuía um palco e um Grupo Cénico.
 Também a miudagem ocupava parte do seu tempo livre com o teatro. Prova disso, era a existência de palcos no Asilo das Meninas, na antiga Igreja de S. Sebastião e no Hospital Infantil de S. João de Deus, onde o saudoso Padre David desenvolveu um trabalho extraordinário. 
Na década de 60 do século passado, a antiga vila possuiu um grupo amador independente denominado Grupo Cénico “Os Montemorenses”. Mais recentemente, o meu amigo Victor Guita criou o Grupo de Teatro da Escola Secundária que somou enormes êxitos por este País fora.
Desde Janeiro de 1998 a nossa cidade conta com a Teatron – Associação Cultural, um grupo com bastante qualidade que tem transportado o nome de Montemor-o-Novo a vários pontos do País.
Também o Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo, dirigido por Victor Guita, tem levado à cena diversas peças teatrais.
O atrás relatado é prova evidente que Montemor-o-Novo é uma Terra que ama e vive o teatro.
Depois desta resenha da história do teatro montemorense, e em homenagem aos jovens que em 1961 “sem qualquer apoio oficial”, tiveram a coragem de formarem um grupo cénico independente, vou debruçar-me sobre o historial do grupo teatral, que recebeu o nome de Grupo Cénico “Os Montemorenses”:
Após a cedência do Salão da Igreja de S. Sebastião por parte do saudoso Padre Alberto Dias Barbosa, que como já foi referido possuía um palco, Augusto Mesquita, João José Jardim, José Luís Caixeiro Serôdio, José Primitivo Salgueiro e Manuel Maria Mesquita, fundaram em 16 de Julho de 1961 o Grupo Cénico “Os Montemorenses”.
A primeira actuação ocorreu no Asilo Montemorense de Infância Desvalida, no dia 10 de Dezembro de 1961. Nesse Domingo, “O Montemorense” publicou a seguinte notícia:
  “Tarde Recreativa no Asilo de Infância”. Um grupo de rapazes amadores de teatro desta vila, lembrou-se de pedir à Direcção do Asilo de Infância o palco do salão de festas daquela Casa para lá representarem alguns números de teatro. A Direcção anuiu ao pedido e resolveu que algumas das crianças internadas colaborem na iniciativa também por meio de um pequeno acto de variedades. Desta forma se preparou e vai realizar-se logo às 15 horas  de hoje, uma tarde recreativa, de carácter familiar, para assistir à qual, a referida Direcção do Asilo, por este meio, convida todos os estimados benfeitores daquela Casa”.
 O programa do espectáculo que foi embelezado com uma capa pintada pelas meninas internadas na instituição, foi distribuído pela vasta assistência mediante uma oferta monetária que reverteu a favor do Asilo das Meninas.
 Na primeira parte foi exibida a peça teatral em 1 acto “Macaco Macacão”. Personagens: Cales – Augusto Mesquita; Mateus – José Primitivo Salgueiro; Paulino – José Luís Caixeiro; Polícia – Manuel Maria Mesquita e Dr. Ruas – João José Jardim.
 Na segunda parte as meninas internadas ofereceram várias danças e declamações.
Na terceira parte foi representada a comédia em 1 acto “Patego Vai ao Brasil de Avião”. Personagens: Feliciano – Augusto Mesquita; Carlos – Manuel Maria Mesquita e Francisco – João José Jardim.
  O espectáculo terminou com o coro feminino interpretando – Oh Ana.
Augusto Mesquita foi o encenador das peças teatrais, enquanto a Directora Técnica do Asilo, Dona Amélia Adelaide da Silva Lopes ensaiou as meninas.
Depois desta experiência, o Grupo actuou no Salão da Igreja de S. Sebastião, na Sociedade Grupo União Escouralense, no Clube Artístico Musical de Vendas Novas e na Sociedade Carlista e no Círculo Montemorense “Pedrista”, nestas duas últimas, por diversas vezes.
Em 26 de Agosto de 1963 na Sociedade Pedrista complectamente lotada, o Grupo prestou provas perante o Júri do Concurso de Arte Dramática organizado pelo Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo – SNI, com o drama em 3 actos “Obrigado Totobola” da autoria de Augusto Mesquita que foi também encenador-intérprete. A RTP deslocou-se à Pedrista para filmar a actuação dos jovens actores.
No dia 4 de Janeiro do ano seguinte, a RTP transmitiu um resumo da actuação do Grupo no programa “Arte e Trabalho”.
Nesse mesmo ano de 1964 o Grupo iniciou os ensaios da nova peça de Augusto Mesquita “O Imprevisto”, drama em 3 actos, que fazia uma crítica à guerra colonial e uma reflexão sobre o aborto. A obra viria a ser reprovada pela Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos e proibida de ser representada em Portugal.
Os jovens actores abandonaram os ensaios do “Imprevisto” e viraram-se para “A Fedra” do dramaturgo basco Miguel de Unamuno, com a qual prestaram provas em 31 de Agosto de 1964 perante o Júri do Concurso de Arte Dramática. Em ambos os concursos o Grupo não conseguiu apurar-se para a fase final a realizar no Teatro da Trindade em Lisboa. Como compensação, foram distribuídos pelos grupos não apurados – Diplomas de Participação.
O jovem Grupo Cénico “Os Montemorenses” foi o primeiro grupo montemorense a participar no Concurso de Arte Dramática, e o primeiro a surgir nos ecrãs dos televisores.
Passaram pelo Grupo, além dos fundadores, os seguintes amadores: Inocência da Glória Grafino, Leonor Aurora, Manuela Saloio Salgueiro, Maria Guilhermina Ovelheira “Bébia”, António Chocolateira, António Joaquim Barreiros, António José Costa Brejo, António Manços Grafino, Arnaldo Calhau Teixeira, Bernardino Nabo, Carlos Alberto Macedo, Flamínio Carranca, Francisco Barreto, Henrique Daniel Tanganho de Oliveira e Silva, João Abrantes Caldeira, João Alberto Salgueiro, José Luís Jardim, José Manuel Tabuleiros, Manuel Jacinto Maurício e os consagrados Francisco Mareco e Abreu Bastos, que colaborou na caracterização.
Desmotivados pelo facto de serem forçados a substituir a peça reprovada pela Censura, acontecimento que os penalizou, pois foram obrigados a esquecer dezenas e dezenas de horas de ensaios, e avançarem para um novo projecto a pouco tempo da sua participação no concurso, os jovens actores disseram basta, e o Grupo Cénico “Os Montemorenses” suspendeu a actividade em 1964, e nunca mais a retomou.

Augusto Mesquita
Julho/2018


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