Provavelmente
já se questionou porque conduzimos à direita em Portugal ao contrário de outros
países, como o Reino Unido, onde se conduz pela esquerda.
Circular
pela esquerda é um hábito que já vem de há muitos anos na história da
humanidade, possivelmente de épocas tão longínquas como o Egipto dos faraós, ou
até mesmo da Grécia Antiga. Remonta a uma época em que era habitual que todos
os que carregassem uma espada, um punhal, ou outro tipo de arma branca, a
colocassem no cinto, do seu lado esquerdo. Assim, como 85 a 90 % dos humanos
são destros, circular pelo lado esquerdo da estrada parecia ser algo sensato.
Nunca se sabia com quem se iria cruzar nem quais as suas intenções, por isso
era melhor que a pessoa passasse pelo seu lado direito, pois era mais fácil
desembainhar a arma branca que estava “arrumada” no lado esquerdo.
Esse
hábito converteu-se inclusivamente numa obrigação, quando no ano de 1300, o
Papa Bonifácio VIII ordenou que os peregrinos que viajavam para Roma o fizessem
pelo lado esquerdo.
Em
1756, foi regulamentada pela primeira vez a circulação em Inglaterra na London
Bridge, construída pelos romanos sobre o Rio Tamisa, pelo que circular pela
esquerda passou a ser lei na Terra de Sua Majestade.
Países
como os EUA e a França começaram ainda no século XVIII a circular pela direita.
Na
Europa, a França estava a braços com a sua revolução (1789 – 1799). No país,
como em todo o Continente, era hábito circular pelo lado esquerdo, mas como os
revolucionários decidiram mudar tudo (até o calendário e o nome dos meses),
impuseram também a circulação pela direita. A aplicação desta lei foi também
imposta nos países invadidos pelos franceses, no rol dos quais se inclui
Portugal.
Reconquistada
a soberania nacional após a derrota dos franceses na Batalha do Buçaco em
Setembro de 1810, Portugal voltou à primeira forma e retomou a circulação do
trânsito pelo lado esquerdo.
De
acordo com o Portal das Curiosidades, em 1886 as Ordenações do Reino de D.
Pedro II já estabeleciam regras de prioridade para coches, segues e liteiras,
onde pela estreiteza da rua fosse preciso recuar.
A
maior parte dos historiadores reconhece dois alemães, Kart Friedrich Benz e
Gottlieb Wilhelm Daimier como os pioneiros do automóvel, mas foi o americano
Henry Ford que construiu em 1893 o primeiro carro movido a gasolina.
Decorridos
dois anos, Portugal importou um exemplar do automóvel idealizado por Ford. O
primeiro automóvel a circular em Portugal atingia uma velocidade máxima de 20
Km/H, e foi importado de Paris pelo IV Conde Avilez em 12 de Outubro de 1895. É
um veículo da marca Panhard & Levassor, com o volante do lado esquerdo, e
está exposto no Museu dos Transportes e Comunicações do Porto. Na primeira
viagem que realizou entre Lisboa e Santiago do Cacém, terra natal do Conde de
Avilez, este veículo atropelou um burro, molestando-o levemente.
Um
ano depois, a Vila Notável recebeu pela primeira vez um automóvel. Em Junho de
1896, o Rei D. Carlos deslocou-se no seu carro à Herdade Real da Adua. Foi a
primeira vez que um automóvel circulou na nossa Terra. O “Panhard &
Levassor” parou perto da Ermida de S. Lázaro para o monarca receber os
cumprimentos das autoridades locais. Ali se juntou muita gente das redondezas e
numeroso rapazio que, a correr, acompanhou o sensacional veículo quando este
subiu a Rua de S. Lázaro, Terreiro dos Álamos e Rua Nova em direcção ao Rossio,
seguindo depois para a Herdade Real da Adua, que nos princípios da República
passou para o Património Municipal.
A
pouco e pouco os automóveis foram substituindo os coches de tracção animal. Os
cocheiros dos trens de aluguer e das diligências protestavam contra os sustos
que os “bólides” causavam às suas parelhas, tendo mesmo aparecido uma quadra do
poeta repentista Manuel Araújo que rimava a propósito do espanto dos animais:
“Se um carro sem besta à frente / passa à frente resfolegante / besta de trem
ou carroça / não me espanta que se espante!”.
No
reinado de D. Carlos I surgiu o Regulamento sobre a Circulação de Automóveis,
aprovado por Decreto de 1901, que ordenou o trânsito das viaturas de tracção
animal.
Dez
anos passados, o Diário do Governo de 17 de Junho de 1911 publicou um primeiro
esboço do “Código da Estrada”. Neste regulamento, estabelecia-se (artigo 45.º)
que a “velocidade dos automóveis não deverá exceder normalmente 20 quilómetros
por hora dentro das povoações e 40 quilómetros por hora fora delas”. Os
prevaricadores enfrentavam a dura multa de mil réis, caso fossem apanhados em
excesso de velocidade. Mil réis, equivaliam a uns anos atrás a um escudo, ou
seja, 0,5 cêntimo do euro.
Mas,
se esta legislação parece benévola vista a um século de distância, convém
analisar melhor. Em 1911, seria “para sempre privado de conduzir automóveis”
(artigo 63.º) o condutor que “atropelar alguém e não parar imediatamente para
prestar socorros”, e que for “condenado por embriaguez, furto, roubo, abuso de
confiança e burla”.
Este
esboço do Código da Estrada recomendava aos condutores que avisassem o
Automóvel Clube de Portugal (ACP) caso encontrassem estradas em mau estado,
para que este participasse à Direcção de Obras Públicas. Por sua vez, o Guia
Oficial do ACP de 1913, alertava os condutores para a inclinação de algumas
rampas de Lisboa e Porto. As rampas da Rua das Taipas e da Rua da Cordoaria
Velha eram as mais temidas, com pendentes de 20%.
A
sinalização das estradas, iniciada em 1920 pela Cacuum Oil Company – a primeira
companhia petrolífera a instalar-se em Portugal – tornou-se posteriormente,
incumbência do Conselho Superior de Viação. Para além das indicações aos
automobilistas, a sinalização era também utilizada para a promoção de locais
turísticos.
Só
em 1928 é que a designação de Código da Estrada é oficialmente atribuído em
Decreto que introduz em Portugal, a obrigatoriedade de circulação pela direita
das faixas de rodagem.
No
dia 1 de Junho de 1928 a partir das 5,00 horas da manhã, a circulação nas
estradas em Portugal passou a fazer-se pela direita. A nova regra de trânsito
que alterou os hábitos dos portugueses, sobretudo dos condutores que na época
eram mais de trinta e um mil (para vinte e oito mil veículos existentes), foi
alvo de uma campanha de sensibilização organizada pelo Diário de Noticias. O
DN, como jornal pioneiro naquilo que hoje se chama marketing editorial,
organizou com o patrocínio da Vacuum Oil uma grande campanha nacional de
sensibilização. Foram espalhados cartazes e faixas por todo o país, além de
dedicar grande destaque nas suas páginas às novas regras de trânsito.
Como
não podia deixar de ser, esta mudança profunda mereceu a atenção da imprensa.
“Pela direita. Desde manhã que se anda ao contrário sem prejuízos dignos de
registo. Agora é que isto se endireitou. Desde as 5 horas da manhã que tudo
gira pela direita” dava conta nesse dia o Diário de Lisboa.
Com
a censura em vigor, alguma imprensa da época aproveitou as novas regras de
circulação para comentar a orientação política da Ditadura Militar.
Curiosamente
foram os automobilistas da capital a estrear, de madrugada a condução à
direita, com o resto do país a seguir o exemplo a partir da meia-noite desse
dia.
Reza
a história que pelo menos esta regra foi acolhida de forma pacífica pelos
condutores “que uma vez perdido o receio de desastres que andava nas
preocupações do público, girando tudo ao contrário, todos seguem a sua rota
como dantes, com mais cautela como sempre deverá ser, mas também sem embaraços
que mereçam registar-se à parte”.
A
foto que ilustra o texto foi tirada na Rua 5 de Outubro da Vila Notável junto
às bombas manuais da Vacuum Oil. A criação desta bomba de combustível é
atribuída ao inventor americano.
Sylvanus Bowser. A sua invenção era capaz de medir e dispensar querosene
(também designada por petróleo iluminante, que veio substituir o azeite na
iluminação) de forma confiável, foi instalada a primeira vez num
estabelecimento comercial em 5 de Setembro de 1885 numa mercearia de Ford Wayne
nos EUA.
Como
deve ter notado, a bomba de combustível foi inventada oito anos antes do
automóvel, e não foi criada especificamente para abastecer veículos, mas sim
para tornar o acto de comprar e vender querosene mais prático. Ela comportava
até 160 litros de combustível. A bomba usava uma válvula de vidro, um
desentupidor de borracha e uma torneira de metal, sendo operada manualmente.
Duas
décadas depois, as bombas já eram chamadas pelos americanos de “estações de
abastecimento”.
Em
1905 Bowser aperfeiçoou sua bomba, adicionando uma mangueira de borracha,
tornando assim possível colocar combustível directamente no depósito dos
carros. A partir desta descoberta as bombas foram evoluindo chegando ao patamar
actual em que com um simples cartão multibanco podemos abastecer as nossas
viaturas a qualquer momento.
A
decisão do Governo de alterar a circulação nas estradas portuguesas para o lado
direito, visava uniformizar a circulação com a dos países da Europa
continental. Tal mudança foi implementada na maioria das suas colónias com
excepção de Goa, Macau e Moçambique, que tinham fronteiras com países com
circulação pela esquerda.
A
“regra napoleónica” acabou por vingar e alastrar, sendo actualmente adoptada,
segundo a ONU, em 129 países do mundo. Quem não foi na conversa de Napoleão
Bonaparte foi a Inglaterra e mais 62 países, que continuam a preferir o velho
costume do mundo greco-romano.
Augusto Mesquita
Junho/2018
Sem comentários:
Enviar um comentário