CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
ILUSTRES DESCONHECIDOS E FAMOSOS MEDÍOCRES
A
informação deste fim-de-semana, e que circulou nos seus meios institucionais,
foi particularmente deprimente. A culpa? A haver, essa necessária culpa para
que a narrativa se encaixe no objectivo consolatório de um best-seller, a culpa
é de todos nós: os que são notícia, os que dão a notícia, os que vêem a
notícia, os que ignoram a notícia e se estão a marimbar. A notícia deveria dar
a informação, a ela dever-se-ia acrescentar o comentário que avança
argumentação com o objectivo de ajudar a formar opinião. E isso também passa
por dar o devido valor ao que é e deve ser “a” notícia.
Ao lado dos dramas
quotidianos, sempre e bem incontornáveis, ao lado do facto que cumpre
calendário, tivemos em realce, como notícia, a memória do Passado heróico de
uma batalha perdida, falo de La Lys e das suas “papoilas” que representam o
sangue derramado, e o desvario de um figurão mediático e, como tal, famoso
presidente de um clube dos chamados grandes que têm no desporto-rei o seu
capital de fama. Fazer coincidir estes assuntos não é o mesmo que compará-los,
ou estaria a fazer o mesmo a que António Ferro se referiu, por volta de 1940, e
que seria qualquer coisa como confundir o Caminho Marítimo para a Índia com a
Junta Autónoma das Estradas. E já agora, também mais um episódio da grave
situação política e social do Brasil concorreu para directos e debates, com a relevância
do que é outra famosa comparação entre o buraco na minha rua com as cheias
mortíferas na Índia. É também assim o relativismo.
Se um Centenário é
sempre uma boa ocasião para ficarmos a conhecer melhor o que se comemora, os
100 anos da Batalha de La Lys, onde morreram centenas de soldados nossos e cuja
participação portuguesa foi, à época, tudo menos unânime, teria sido uma boa
ocasião para termos várias lições de História nacional e europeia. E com a
pluralidade de perspectivas necessária e útil, até para se perceber quais os
pontos convergentes e não fracturantes, úteis para quem queira, ainda assim e
com todo o seu direito, ter apenas e só uma ideia sobre o assunto.
Hélàs! La Lys teve
de competir com o presidente do Sporting Clube de Portugal. O eleito
massivamente por aqueles que quiseram participar na vida política da sua
corporação, por vezes talvez, os mesmos que se marimbam para a vida política da
sua Nação. Se me interessava ficar a conhecer melhor La Lys da maneira sempre
mais facilitada e parecida com o ócio, nem sempre sinónimo de menor qualidade
entenda-se, e que é ver na televisão programas sobre o assunto, já todo o circo
montado por e à volta de um indivíduo boçal e histérico em nada veio alterar a
minha visão sobre o mundo, pelo menos o mediático que é aquele a que tenho
acesso, do futebol. E tão distante do mundo do jogo em si!
Resumindo:
perdeu-se um bom fim-de-semana para dar novidades sobre o que se passou há 100
anos para se ganhar audiências sobre uma banalidade do que é a constelação que
gira em torno daquelas verdadeiras estrelas, as que têm Deus nos pés. Neste
fim-de-semana eu queria ter estado mais como aquelas papoilas do poema de John
McCrae, ao pé das cruzes da Flandres e dos que tombaram em La Lys ou, pelo
efeito do gás de mostarda, por causa de La Lys. Resta-me o consolo da
imortalidade daqueles ilustres desconhecidos, incomparável com a patética
vontade de imortalidade de alguns sempre derrotados candidatos a semi-deuses.
Até para a semana.
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