Corria
o ano de 1990 quando cheguei a Évora e comecei a leccionar também Língua
Portuguesa a futuros Professores Primários, como então ainda se dizia. Recordo
de, com os alunos, discutirmos as primeiras notícias sobre essa possibilidade
de haver um acordo para uniformizar a ortografia entre os PALOP. As discussões,
confesso que um pouco dirigidas, acabavam sempre com o argumento de que as
diferenças entre os usos do Português iam muito para além da ortografia, pelo
que o acordo não serviria, provavelmente, nem alguns interesses económicos.
Passados 28 anos, cada vez me convenço mais que o assunto, um problema (e por
isso com resolução) de alguns nos quais me incluo, é substancialmente da
responsabilidade da comunidade académica. O elefante está no meio da sala da
Academia e vou, por causa do seu tamanho, tratá-lo hoje (não me lembro se já
terei feito alguma crónica sobre o tema, nestes oito anos que levo delas)
cortado em duas fatias que poderão sempre ser discutidas depois, dissecadas em
meios, ou quartos, ou pedaços ainda mais pequenos por quem o quiser fazer, e o
souber, melhor do que eu. Julgo até que daria um estudo muito interessante
percorrer as várias posições públicas de académicos e políticos ao longo destes
anos. Cumpre-me apenas dizer que não gosto nem sei usar o AO90. Tentei e não
consigo fazê-lo naturalmente, o que me leva sempre o dobro do tempo cada vez
que tenho de escrever um documento oficial.
Primeira
fatia: Tenho para mim que este é um assunto que ficou durante anos nas mãos de
quem quis, no meio dos estudos linguísticos, ganhar a eternidade. Os que queriam
ser eternos porque fizeram um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os que
queriam ser eternos por terem combatido esse movimento revolucionário. Para
quem não é de áreas nem tangenciais ao assunto e fica sentado à espera que os
académicos e cientistas da Linguagem cheguem à melhor solução para o que podia
ser um problema (seria mesmo?) a resposta chegou, como imposição, ao fim de
duas décadas de possibilidades de alteração de legislação que veio,
naturalmente, uniformizar uma prática. Terá havido muita gente descontente ao
longo destas duas décadas em que o AO90 “marinou” antes de ir para o forno
“assar” um dos maiores elementos de um sistema cultural e que é a Língua usada
por mais do que uma Nação. A pergunta que se me impõe é saber onde estariam os
que, agora, se unem em petições e lutas constantes, depois de o “assado” estar
pronto e apresentado como prato único aos que, como eu, têm dificuldade em
engoli-lo. Esperaram pela legislação (quase) definitiva para tentar fazer de
cada inculto nesta nova forma de escrever em Português um fora da lei? Lamento,
mas não me parece uma prática ela própria moralmente legítima. Legítimo,
intelectualmente, teria sido enfrentar em tudo quanto era fórum e júri de
provas académicas os que, mais graduados, defendiam o AO90 sem medo do “chumbo”
ou da não promoção na carreira. Isso sim era de resistente e lutador. Mas a
imagem deixada à sociedade em geral é a de que se foi deixando passar o
assunto, como se este tivesse sido feito pela calada.
E passamos à segunda fatia.
As mais recentes intervenções do PCP, que votou contra a lei no início e nunca
mais mexeu uma palha sobre o assunto de forma eficiente e talvez até eficaz,
são oportunistas. Não sendo nenhuma novidade para mim, vem mais uma vez pôr a
nu o simulacro da importância que sobre a Língua Portuguesa e as Políticas
culturais dizem ter e defender. O habitual monopólio da Cultura de que se acham
únicos detentores, legitimada por certos have been da praça público-política,
actuais comentadores de bancada. Parece que o que disto resultou terá sido
devolver-se o problema à Academia que, já agora, talvez devesse de facto ter a
coragem para o discutir em termos de Política e não com interesses corporativos
e pessoais. Não sei quanto tempo durará a discussão, mas prevejo-a longa e que
o resultado chegue quando eu já cá não estiver e fique na “minha história” como
a que confiou no mundo das Ciências da Linguagem e morreu a desconfiar dessa
confiança. Oxalá me engane, quer na solução quer, já agora, no tempo de vida
que me resta.
Até
para a semana.
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