Vamos então
transcrever a história do duelo entre Inês Negra e a “Arrenegada”, que conforme já mencionamos foi publicada no Jornal “o
Montemorense” – edição de Março 2018 e da autoria do Drº Laboreiro.
Portuguesas
com História
Inês
Negra
«O patriotismo é o amor aos seus; o nacionalismo é o ódio aos outros»
Romain Gary – Romancista e diplomata
francês – Sec XX
A outra
gritou-lhe aparecendo nas ameias da torre de menagem. A inimizade vinha de
longe, de quando ambas se criavam em Melgaço – terra minhota entre os domínios
portugueses e galegos: ora fiel a uns, ora a outros. Da dona dos gritos, não se
conhece o nome – só a alcunha: mas as crónicas dizem que, do alto do castelo
erguido no tempo de D. Sancho I, a “Arrenegada” desafiou a inimiga para um
combate de uma só vencedora. Ora, em resposta no arraial montado pelo exército
de D. João I de Portugal (para conquistar a vila aos castelhanos) erguer-se-ia
a voz de Inês a dispor-se a aceitar o desafio. Ambas as mulheres eram gente do
povo, jovens, por certo habituadas a sobreviver no meio dos homens, raramente
fugindo a uma boa briga ou mesmo a uma arruaça. Na compleição física
far-nos-iam lembrar Brites de Almeida – a célebre “Padeira de Aljubarrota” –
que teria igualmente vivido nessa década de 80 do séc. XIV.
Inês Negra e
a “Arrenegada” são nome para duas mulheres que viriam à História, para se
odiaram e, assim se tornarem inseparáveis.
Ora, a
guerra civil de 1383-85 terminara: o Mestre de Avis fora aclamado Rei de
Portugal (D. João I) – a iniciar a segunda dinastia; a ex-rainha Leonor Teles
refugiara-se em Tordesilhas (no território de seu genro, o rei castelhano – que
presunçosamente continuava a intitular-se rei de Portugal e a exercer domínio
em algumas áreas parcelares da coroa portuguesa). Porem sucessivamente, essas
terras seriam reconquistadas – com o inequívoco patriotismo do Mestre de Avis,
de Nuno Alvares Pereira, da jovem Nobreza portuguesa, da Burguesia emergente –
mas inequivocamente também do Povo (Homens e Mulheres que seriam igualmente
heróis nestes tempos).
E assim, até
ao ano de 1388, os castelhanos serão brigados a abandonar diversas povoações no
Alto Minho: Neiva, Viana, Ponte Lima; Monção, Vila Nova de Cerveira, Caminha …
Porém Melgaço continuava a obedecer ao rei castelhano – que, como sabemos,
estava casado com a princesa Beatriz, filha do rei Fernando I de Portugal e de
Leonor de Teles – invocando o rei espanhol o direito da mulher Beatriz ao trono
português, enquanto herdeira da coroa portuguesa.
Porem, os
desígnios e os direitos dos Portugueses seriam outros; e em 1388, o rei D. João
I decide – ele mesmo- comandar as tropas lusas no cerco a Melgaço; e, mais,
numa atitude da época (em que a guerra se tornara um espectáculo), reuniu uma
comitiva de mulheres para assistir ao assalto de retomada do castelo de Melgaço
(entre as quais pontuava a rainha Filipa de Lencastre). Mas a “nossa” Inês
Negra, como outras mulheres e homens do povo – aproveitando esta abertura de espírito
– juntar-se-ia ao exército para lutar pela sua terra.
Talvez Inês
tivesse sido uma das muitas regateiras que por ali faziam negócio na venda
ambulante. Teria vinte e tal ou trinta anos. Mas Inês quê? Possivelmente, os
pais a teriam baptizado com este nome, inspirados em Inês de Castro. E,
possivelmente, por ser bastante morena, teria adquirido o apelido de Negra. Já
nos tempos medievos, era uma tendência rotular as pessoas a partir de uma
característica particular (sobretudo entre os mais desafortunados. E Inês, por
ser bastante morena, adquiriria o apelido de Negra.
Ora na
Crónica de D. João I, Fernão Lopes descreve pormenorizadamente – o cerco a
Melgaço (que se desdobraria por mais de cinquenta dias).
Valeria aos
portugueses, a arte de saber “construir” o ataque – assente na tactica e no “engenho” do material bélico usado –
desde torres de madeira mais altas que os muros do castelo, até ao recurso a um
novo sistema de catapultas (verdadeiros canhões lançadores de pedras), passando
pelo contributo inexcedível das mulheres (que de maneira pronta e de espirito
patriótico, acarretavam os pedragões que, enquanto ferozes balas, eram lançadas
como bombardas pelas catapultas).
De tempos a
tempos a guerra parava: procuravam-se consensos. Porem os castelhanos exigiam o
impossível; e os portugueses acreditavam na razão e nos meios de combate de que
dispunham. E seria num desses momentos de tréguas, que – segundo os cronistas –
as duas mulheres resolveram lutar pelas suas convicções: na sequência do
desafio feito pela “Arrenegada”(assim chamada por ser uma portuguesa a defender
o domínio castelhano sobre o território português) – desafiando a “Arrenegada”
a “nossa” Inês Negra para um duelo (Inês Negra, que segundo o Conde de Sabugosa
– seria uma mulher de cabelo negro, encrespado, pele escura e curtida pelo sol,
corpo musculado, olhos cor de fogo, e um rosto magro com bigode).
Concedida a
autorização régia, a luta entre ambas as mulheres teria lugar ás portas da
vila: e quando a “Arrenegada” saiu da fortaleza que os portugueses retomavam,
já a “nossa” Inês Negra a esperava para o duelo – que seria uma delícia para os
“nossos homens de armas”, enquanto espectadores. E o duelo inicia-se com
varapaus (que se partiriam). E o duelo continua: às unhadas, às dentadas, arrancando
cabelos. Mas, Inês conseguiria que a inimiga caísse desfalecida – “com os
focinhos recheados de nódoas negras das punhadas da de fora”. E Inês seria
levada em ombros pelo arraial. Quanto à “Arrenegada”, arrastar-se-ia para
dentro dos muros – e, no dia em que os portugueses (tomando o castelo) entraram
vitoriosos em Melgaço, a “Arrenegada” é encontrada morta (apunhalada no peito,
durante a refrega da reconquista, por um qualquer dos soldados invasores).
Num prazo de
um ano de lutas, os castelhanos pedem tréguas de seis meses (para resolverem
problemas internos). Terminando o prazo D. João I reinicia a luta, e
reconquista Tui…e voltar-se-á ás tréguas (desta feita por três anos).
Porem a
independência estava assegurada – vivenciando-se depois um capítulo de séculos,
dos mais ilustres da nossa História,
José Alexandre
Laboreiro
Março 2018 In “O Montemorense”
3 comentários:
OBS.
Como seria de esperar de um episódio contado pelo Dr.J. Alexandre Laboreiro, ficámos presos do principio ao fim desta sua narrativa.As mulheres fizeram sempre historia em Portugal. Com uma marca especial: ao contrário dos homens,primeiro combatiam e só depois é que discutiam. Mostraram-se sempre decididas participando em grandes batalhas e vitórias.
É assim que, a Historia de Portugal, contém uma série de disputas e vinganças temíveis de grandes mulheres. Lembro o assassínio de D. Maria Teles de Meneses às mãos de Leonor Teles. Recordo a dita D.Leonor que abandonou D. João II no leito de morte. Cito as conspirações e intrigas da "mui feiosa" D. Carlota Joaquina contra o taciturno marido D. João VI. E por aí adiante.
O importante e o belo nesta historia, aqui revista no Al tejo, é que as nossas mulheres nunca foram meros sujeitos passivos da nossa História. Deram exemplos de patriotismo que sabe sempre bem ver contados e recontados.
Se possível, como é este o caso da "Inês Negra e da Inês Arrenegada" com a centelha, a inspiração e a arte de construir e mostrar o que era "a Honra e o discurso da Coragem" estando ao serviço de uma causa que se vem mantendo válida ao longo dos séculos: a nossa independência e soberania face ao poder castelhano.
Um Bem haja ao seu Autor.
Um Bem haja à nossa memória histórica que se
vai mantendo (re)viva. Mercê superior dos que procuram explicar-nos
desde Montemor o Novo que o devir histórico não pode dispensar também a
lembrança de que o Rei D. Jose foi,imagine-se, ferido por um tiro
disparado pela sua mulher,a Rainha D. Maria Vitória. Andavam à caça mas
aquilo era mais ódio do que amor... a fazerem parte constante da
História. Com muito que contar.
Obrigado, Caro Mestre A. Laboreiro.
Antonio Neves Berbem
Ao ler este episódio da "guerra do interregno" entre portugueses e castelhanos, que muito apreciei, quero aproveitar o comentário para dizer o seguinte:
1º Desconhecia o acontecimento, o que não é de estranhar não sendo investigador e muito menos historiador encartado.
2ºSendo o episódio um facto histórico, o que me parece bastante razoável já que é narrado por Fernão Lopes, é deveras extraordinário; mas se é, que seja, um misto de realidade e ficção, ainda mais belo é este duelo no feminino, que se grudou à memória dos portugueses desses tempos idos. Singelamente, nobres e povo anónimo, subiram aos píncaros da glória para defender a Pátria.
3ºDevo citar outras tantas mulheres importantes da nossa História?
Não.
Dou, neste contexto, lugar à bela Inês Negra e à traidora "Arrenegada"
que me transportaram aos arrabaldes castelo de Melgaço..., onde assisti ao seu intrépido duelo.
Cumprimentos ao Autor
Embora não manifeste muitas vezes a minha opinião em comentários, deixo aqui os meus cumprimentos ao autor que, aliás, tem a minha admiração desde há muito.
Enviar um comentário