quarta-feira, 28 de março de 2018

EPISÓDIOS DESCONHECIDOS DA NOSSA HISTÓRIA

Na sua rubrica mensal publicada no “Montemorense” e tendo como temática « Portuguesas com História», o Drº José Laboreiro relata-nos a história de duas Portuguesas  que se bateram em duelo durante o cerco levado a efeito por El Rei D. João I ao Castelo de Melgaço.
Vamos então transcrever a história do duelo entre  Inês Negra e a “Arrenegada”, que conforme já mencionamos foi publicada no Jornal “o Montemorense” – edição de Março 2018 e da autoria do Drº Laboreiro.
Portuguesas com História
                                                                     Inês Negra
«O patriotismo é o amor aos seus; o nacionalismo é o ódio aos outros»
Romain Gary – Romancista e diplomata francês – Sec XX

A outra gritou-lhe aparecendo nas ameias da torre de menagem. A inimizade vinha de longe, de quando ambas se criavam em Melgaço – terra minhota entre os domínios portugueses e galegos: ora fiel a uns, ora a outros. Da dona dos gritos, não se conhece o nome – só a alcunha: mas as crónicas dizem que, do alto do castelo erguido no tempo de D. Sancho I, a “Arrenegada” desafiou a inimiga para um combate de uma só vencedora. Ora, em resposta no arraial montado pelo exército de D. João I de Portugal (para conquistar a vila aos castelhanos) erguer-se-ia a voz de Inês a dispor-se a aceitar o desafio. Ambas as mulheres eram gente do povo, jovens, por certo habituadas a sobreviver no meio dos homens, raramente fugindo a uma boa briga ou mesmo a uma arruaça. Na compleição física far-nos-iam lembrar Brites de Almeida – a célebre “Padeira de Aljubarrota” – que teria igualmente vivido nessa década de 80 do séc. XIV.
Inês Negra e a “Arrenegada” são nome para duas mulheres que viriam à História, para se odiaram e, assim se tornarem inseparáveis.
Ora, a guerra civil de 1383-85 terminara: o Mestre de Avis fora aclamado Rei de Portugal (D. João I) – a iniciar a segunda dinastia; a ex-rainha Leonor Teles refugiara-se em Tordesilhas (no território de seu genro, o rei castelhano – que presunçosamente continuava a intitular-se rei de Portugal e a exercer domínio em algumas áreas parcelares da coroa portuguesa). Porem sucessivamente, essas terras seriam reconquistadas – com o inequívoco patriotismo do Mestre de Avis, de Nuno Alvares Pereira, da jovem Nobreza portuguesa, da Burguesia emergente – mas inequivocamente também do Povo (Homens e Mulheres que seriam igualmente heróis nestes tempos).
E assim, até ao ano de 1388, os castelhanos serão brigados a abandonar diversas povoações no Alto Minho: Neiva, Viana, Ponte Lima; Monção, Vila Nova de Cerveira, Caminha … Porém Melgaço continuava a obedecer ao rei castelhano – que, como sabemos, estava casado com a princesa Beatriz, filha do rei Fernando I de Portugal e de Leonor de Teles – invocando o rei espanhol o direito da mulher Beatriz ao trono português, enquanto herdeira da coroa portuguesa.
Porem, os desígnios e os direitos dos Portugueses seriam outros; e em 1388, o rei D. João I decide – ele mesmo- comandar as tropas lusas no cerco a Melgaço; e, mais, numa atitude da época (em que a guerra se tornara um espectáculo), reuniu uma comitiva de mulheres para assistir ao assalto de retomada do castelo de Melgaço (entre as quais pontuava a rainha Filipa de Lencastre). Mas a “nossa” Inês Negra, como outras mulheres e homens do povo – aproveitando esta abertura de espírito – juntar-se-ia ao exército para lutar pela sua terra.
Talvez Inês tivesse sido uma das muitas regateiras que por ali faziam negócio na venda ambulante. Teria vinte e tal ou trinta anos. Mas Inês quê? Possivelmente, os pais a teriam baptizado com este nome, inspirados em Inês de Castro. E, possivelmente, por ser bastante morena, teria adquirido o apelido de Negra. Já nos tempos medievos, era uma tendência rotular as pessoas a partir de uma característica particular (sobretudo entre os mais desafortunados. E Inês, por ser bastante morena, adquiriria o apelido de Negra.
Ora na Crónica de D. João I, Fernão Lopes descreve pormenorizadamente – o cerco a Melgaço (que se desdobraria por mais de cinquenta dias).
Valeria aos portugueses, a arte de saber “construir” o ataque – assente na tactica  e no “engenho” do material bélico usado – desde torres de madeira mais altas que os muros do castelo, até ao recurso a um novo sistema de catapultas (verdadeiros canhões lançadores de pedras), passando pelo contributo inexcedível das mulheres (que de maneira pronta e de espirito patriótico, acarretavam os pedragões que, enquanto ferozes balas, eram lançadas como bombardas pelas catapultas).
De tempos a tempos a guerra parava: procuravam-se consensos. Porem os castelhanos exigiam o impossível; e os portugueses acreditavam na razão e nos meios de combate de que dispunham. E seria num desses momentos de tréguas, que – segundo os cronistas – as duas mulheres resolveram lutar pelas suas convicções: na sequência do desafio feito pela “Arrenegada”(assim chamada por ser uma portuguesa a defender o domínio castelhano sobre o território português) – desafiando a “Arrenegada” a “nossa” Inês Negra para um duelo (Inês Negra, que segundo o Conde de Sabugosa – seria uma mulher de cabelo negro, encrespado, pele escura e curtida pelo sol, corpo musculado, olhos cor de fogo, e um rosto magro com bigode).
Concedida a autorização régia, a luta entre ambas as mulheres teria lugar ás portas da vila: e quando a “Arrenegada” saiu da fortaleza que os portugueses retomavam, já a “nossa” Inês Negra a esperava para o duelo – que seria uma delícia para os “nossos homens de armas”, enquanto espectadores. E o duelo inicia-se com varapaus (que se partiriam). E o duelo continua: às unhadas, às dentadas, arrancando cabelos. Mas, Inês conseguiria que a inimiga caísse desfalecida – “com os focinhos recheados de nódoas negras das punhadas da de fora”. E Inês seria levada em ombros pelo arraial. Quanto à “Arrenegada”, arrastar-se-ia para dentro dos muros – e, no dia em que os portugueses (tomando o castelo) entraram vitoriosos em Melgaço, a “Arrenegada” é encontrada morta (apunhalada no peito, durante a refrega da reconquista, por um qualquer dos soldados invasores).
Num prazo de um ano de lutas, os castelhanos pedem tréguas de seis meses (para resolverem problemas internos). Terminando o prazo D. João I reinicia a luta, e reconquista Tui…e voltar-se-á ás tréguas (desta feita por três anos).
Porem a independência estava assegurada – vivenciando-se depois um capítulo de séculos, dos mais ilustres da nossa História,
José Alexandre Laboreiro
Março 2018 In “O Montemorense”


3 comentários:

Anónimo disse...



OBS.


Como seria de esperar de um episódio contado pelo Dr.J. Alexandre Laboreiro, ficámos presos do principio ao fim desta sua narrativa.As mulheres fizeram sempre historia em Portugal. Com uma marca especial: ao contrário dos homens,primeiro combatiam e só depois é que discutiam. Mostraram-se sempre decididas participando em grandes batalhas e vitórias.

É assim que, a Historia de Portugal, contém uma série de disputas e vinganças temíveis de grandes mulheres. Lembro o assassínio de D. Maria Teles de Meneses às mãos de Leonor Teles. Recordo a dita D.Leonor que abandonou D. João II no leito de morte. Cito as conspirações e intrigas da "mui feiosa" D. Carlota Joaquina contra o taciturno marido D. João VI. E por aí adiante.

O importante e o belo nesta historia, aqui revista no Al tejo, é que as nossas mulheres nunca foram meros sujeitos passivos da nossa História. Deram exemplos de patriotismo que sabe sempre bem ver contados e recontados.
Se possível, como é este o caso da "Inês Negra e da Inês Arrenegada" com a centelha, a inspiração e a arte de construir e mostrar o que era "a Honra e o discurso da Coragem" estando ao serviço de uma causa que se vem mantendo válida ao longo dos séculos: a nossa independência e soberania face ao poder castelhano.

Um Bem haja ao seu Autor.
Um Bem haja à nossa memória histórica que se
vai mantendo (re)viva. Mercê superior dos que procuram explicar-nos
desde Montemor o Novo que o devir histórico não pode dispensar também a
lembrança de que o Rei D. Jose foi,imagine-se, ferido por um tiro
disparado pela sua mulher,a Rainha D. Maria Vitória. Andavam à caça mas
aquilo era mais ódio do que amor... a fazerem parte constante da
História. Com muito que contar.



Obrigado, Caro Mestre A. Laboreiro.

Antonio Neves Berbem

AC disse...

Ao ler este episódio da "guerra do interregno" entre portugueses e castelhanos, que muito apreciei, quero aproveitar o comentário para dizer o seguinte:
1º Desconhecia o acontecimento, o que não é de estranhar não sendo investigador e muito menos historiador encartado.
2ºSendo o episódio um facto histórico, o que me parece bastante razoável já que é narrado por Fernão Lopes, é deveras extraordinário; mas se é, que seja, um misto de realidade e ficção, ainda mais belo é este duelo no feminino, que se grudou à memória dos portugueses desses tempos idos. Singelamente, nobres e povo anónimo, subiram aos píncaros da glória para defender a Pátria.
3ºDevo citar outras tantas mulheres importantes da nossa História?
Não.
Dou, neste contexto, lugar à bela Inês Negra e à traidora "Arrenegada"
que me transportaram aos arrabaldes castelo de Melgaço..., onde assisti ao seu intrépido duelo.

Cumprimentos ao Autor

Anónimo disse...

Embora não manifeste muitas vezes a minha opinião em comentários, deixo aqui os meus cumprimentos ao autor que, aliás, tem a minha admiração desde há muito.