quinta-feira, 29 de março de 2018

CINEMA - Por Rufino Casablanca

Numa das muitas “pen”- onde íamos acondicionando alguns dos escritos que nos chegaram com a assinatura de Rufino Casablanca, encontramos recentemente uma colectânea de filmes, a maioria com a realização de Gustavo Menendez, tendo como argumento a vida e obra de alguns Presidentes dos Estados Unidos da América. Filmes de cariz político, comentados na altura por Rufino Casablanca.
Desconhecidos pela maior parte de todos aqueles que felizmente se interessam pela Sétima Arte, dado que a maioria não passou pelos circuitos comerciais, iniciamos com Abraham Lincoln, uma série que se irá prolongar ao longo de várias semanas, em que o leitor interessado poderá entre outros descobrir algo de novo nos mandatos de: Bill Cliton, Truman, Tomas Hendrik – Roosevelt – Kennedy, entre outros.
                                    
                                            Abraham Lincoln – um filme de Gustavo Menendéz
Abraham Lincoln, Franklin D. Roosevelt e John F. Kennedy são, talvez, os mais conhecidos presidentes dos Estados Unidos da América. Achamos que apenas o segundo – e mesmo assim forçando a nota - cabe na qualidade de grande presidente. O primeiro e o terceiro (continuamos nós a achar) foram ultrapassados por outros presidentes que marcaram mais profundamente (para o melhor e para o pior) os destinos daquele país. A verdade é que não queremos deixar de comentar os filmes que visionámos recentemente e que pretendem contar-nos um pouco da vida destes três homens. São filmes que não passaram no circuito comercial em Portugal, não se encontrando, portanto, legendados em português. São filmes oriundos duma área de cinema independente dos Estados Unidos, realizados já há alguns anos, e completamente fora dos processos de produção de Hollywood. De referir que no filme que hoje nos interessa, e que diz respeito a Abraham Lincoln, todos os actores e actrizes são amadores, assim como o resto das funções são da responsabilidade de alunos do curso de cinema da Escola de Groton, Massachusetts, sendo que o filme apenas pode ser encontrado numa pesquisa rigorosa na internet. Apenas por interesse suplementar, este filme foi passado durante o Festival de Cinema Amador de Montreal, no Canadá, em 1954, tendo recebido uma Menção Honrosa.


 Ano de Produção: 1953
Idioma: Inglês
Realização: Gustavo Menendéz
Argumento: Gustavo Menendéz, Sakall Phillips e Berrit White
Música: -----
Elenco: James Conwey, Kathryn Noizet --------

Penúria de meios de realização é a primeira coisa que salta à vista quando vemos as primeiras imagens deste filme. Durante todo o filme, que dura cerca de noventa minutos, essa penúria é evidente. Aquela rapaziada bateu-se com uma clara falta de dinheiro … e no entanto … no entanto … achámos o filme interessante. Não que nos deslumbrasse a interpretação dos artistas – até eram bastante toscos – não que ficássemos presos a primores da realização – por acaso bastante básica – e a música é praticamente inexistente: com o som sempre agudo de mais para os nossos ouvidos. Enfim, tinha todos os condimentos para ser considerado uma lástima senão fosse o argumento. E mesmo este, sendo bom, não é brilhante. É uma história contada de trás para diante, sem qualquer interpretação analítica sobre a vida de Lincoln, e as contingências que fizeram dele o presidente americano mais famoso de sempre. A verdade mesmo é que o argumento, de certo modo, espatifa a reputação de Lincoln.
É verdade que algumas das coisas o filme nos conta, já nos tinham chegado por via doutros escritos e doutros filmes. É verdade que já nos tinha chegado a versão de que aquele homem não era o poço de virtudes que todos, ou quase todos, sempre exaltam.
O filme começa por nos mostrar a Convenção do Partido Republicano, realizada em Chicago, em Maio de 1860, convenção em que Lincoln é escolhido para representar o partido nas eleições de Novembro. Assim foi escolhido este advogado, nascido no Kentucky e estabelecido no Ilinóis. Este homem, reflectido e bom comunicador, verdadeiro “self-made-man”, chegou à nomeação pelo Partido Republicano para presidente dos Estados Unidos, sem nunca ter referido se era ou não a favor da emancipação dos negros. Isto, num país que estava à beira de uma sangrenta guerra civil, exactamente por causa da escravatura. Aliás, como o filme também mostra, a cena política norte-americana estava claramente fragmentada. O Partido Democrata apresentou dois candidatos: um nortista, outro sulista. E ainda um outro partido, com grande implantação na altura, o Partido Constitucional da União, apresentou também um candidato.
Finalmente em 6 de Novembro de 1860, Lincoln foi eleito presidente dos Estados Unidos da América, por margem tangencial. Estes são os factos históricos, facilmente confirmáveis, mas a questão é que o filme a que nos referimos não se limita aos factos históricos já conhecidos.
E desde que o homem toma posse, até à sua morte, o presidente Lincoln é apenas um saco de pancada. Chega a ser dito – no filme – que teria preferido a derrota do norte na Guerra da Secessão. Guerra essa que durou todo o seu primeiro mandato e ainda apanhou parte do segundo.
Assim, o 16.º presidente dos Estados Unidos da América, que entre a sua eleição em Novembro de 1860 e a tomada de posse em Março de 1861, vê a maior parte dos estados do sul a tentar criar um novo país, em regime de confederação, assiste ao deflagrar de uma guerra civil que faria mais de um milhão de mortos, e acaba por ser assassinado a tiro, quando assistia a um espectáculo teatral.
A nós, que sentimos por Lincoln alguma (relativa) admiração, parece-nos que a sua memória foi muito maltratada neste filme. E como obra de arte não é nada de especial. Daí que não o recomendemos.

Rufino Casablanca  – Monte do Meio. 12/ Maio de 1997


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