O MEU AMIGO zÉ
lARO – parte II
A vida do nosso protagonista
Não, não me
esqueci do meu amigo Zé Laro, e se demorei esta descrição foi como uma inserção
ambiental, que constatámos, que sentimos e vivemos, que não devemos esquecer e
muito menos renegar, também vivida pelo protagonista e o seu amigo e meu
parente Joaquim Pírico.
Ainda conheci a
mãe do Zé, a tia Laura que se amigou, hoje diz-se viveu em comunhão de facto,
com o tio Milhano, da aldeia do Rosário, homem delicado e respeitador, que apanhava
cardos, espargos, cogumelos, arrabaças mansas, agriões e até poejos, que umas
vezes vendia, outras oferecia em molhinhos muito bem-feitos, e sempre atados
com junça.
Tinha o cuidado de
não deixar murchar os géneros para chegarem fresquinhos ao cliente. Selecionava
as pessoas a quem pensava dar e o dia em deveria fazer a oferta, na mira da
contrapartida ser superior em valor ao preço de venda dos seus molhinhos.
E penso que
resultava.
Na casa de meus
pais, aos sábados dia de matança, lá aparecia o tio Milhano, com a sua
mercadoria. O meu pai, a quem ele chamava de parente, adorava grãos com cardos
de azeite e vinagre, com conserva de atum ou sardinha. Era uma das pessoas
selecionadas pelo seu parente, que aos sábados lá aparecia.
Depois de uma breve conversa gesticuladora e
incisiva nos produtos por ele apanhados e sabiamente arranjados, lá vinha a
ordem;
- Hélder trás uns ossos de porco e corta um bocado de
fralda do toucinho
-. Claro, o Hélder obedecia.
Devo dizer que
obedecia de bom grado, porque, e ainda no meu despertar para a vida, a maneira
descritiva e o apresentar de qualquer assunto, com suavidade no falar, e
brandos gestos, como o Senhor Milhano o fazia, não via noutra pessoa.
Devo, aqui,
confessar, caro leitor, que "rapinei",
algumas fraldas de toucinho, toucinho com entremeada de fêvera, que cortava aos
quadradinhos, sem cortar o coro e que depois de algum tempo de alho e sal,
assadas nas brasas........., diga leitor o que pensa,......... que eu
vou escrever o que pensei e que outrora saboreei..... Era cá um petisco.....,
Uma mesa
"pé de galo".
Os meus pais
tinham uma mesa deste tipo, em madeira.
Com um tampo em
circunferência, suportado ao meio, por um único apoio terminado num cilindro,
onde estavam inseridos três pés, que suportavam toda a restante estrutura.
A mãe do nosso
protagonista tinha fama de bruxa, "médium" ou possessa, e dizia-se
que encarnava várias pessoas.
Nessa altura
existia uma grande equipa de camaradagem, que o Al Tejo já referenciou,
nalgumas crónicas. Permitam-me relembrar algumas dessas pessoas, que fizeram
parte do episódio que vou relatar.
O Isidro, o mestre
Manuel sapateiro, o Peças e o Zè Tatá, pediram a Mesa pé de galo ao meu pai e
com a dona Laura preparam uma seção de espiritismo.
Eu e o meu amigo
João Lobo, a quem passei palavra, resolvemos, muito a medo, lá espreitar.
- Estas coisas de espiritismo, - dizia-me
o João - E se o espirito sai dela e entra em nós -. Devíamos fazer uma bonita figura -, repliquei.
Certo é que, num
relance de foiteza nos abeirámos da porta. O silêncio às tantas da noite é
terrível. Faz-nos ver o que não ouvimos, e ouvir o que não vemos. Retirámo-nos
pé ante pé e já a alguma distância da porta onde decorria a seção, partimos a
fugir a sete pés.
O resultado da cena.
O senhor Zé Tatá
era uma excelente pessoa, daquelas que não veem maldade em ninguém e daquele
grupo era o que acreditava na dona Laura. Convidou-me um para irmos à Herdade
dos Barros para pesquisarmos algo que a dona Laura dizia - a tantos metros da estrada, antes da ponte velha, da ponte romana,
debaixo de uma azinheira ramalhuda estão dois cascalhos brancos e salientes, se
lá cavarem encontrarão um caixa com moedas -.
Realmente as pedras estavam lá, mas pensam que eu com catorze ou
quinze anos ia lá cavar?
O Isidro era
tolerante e tanto escutava o Zé Tatá como os outros companheiros. - Estava-se nas tintas - Os outros dois
companheiros, quando entravam em qualquer cena, fosse ela séria ou menos séria,
estavam sempre na brincadeira e regra geral, com o copito a mais. Aquela cena
não foi exceção.
No outro dia, e eu
de noite só vi fantasmas, levantei-me cedo e perguntei o resultado ao meu tio.
- Não percebi nada, A Laura revirava a vista e parecia grunhir.
- E a mesa tremeu -, perguntei-lhe com
alguma avidez.
- Tremeu, porque o Manuel sapateiro a abanava.
- E o que disse
a dona Laura - insisti.
O meu tio já um pouco
agastado com tanta curiosidade, estendeu-me um papel e respondeu.
- O que está aqui escrito, lê -, e eu li.
- Lara parva, Lara parva. Era o que estava
escrito no papel.
- Ó tio e se este papel vai ter às mãos da
senhora.
- Quero lá
saber, ela não sabe ler -. Respondeu-me o meu tio Peças com uma calma
impressionante.
Mas a cena do
espiritismo não acabou neste papel, houve ainda um terceiro ato.
A minha mãe,
madrinha de casamento do Zé Tatá e do meu tio Peças, conhecedora de cenas
idênticas, não queria emprestar a mesa, porque tinha a certeza que aquele ato
se transformava em brincadeira ou numa paródia, que ela já classificava de mau
gosto. Só com muita insistência e um olhar esbugalhado do meu pai é que a
famosa mesa de pé de galo saiu de casa.
Quanto o meu pai
soube do resultado da sessão, chamou o meu tio e disse-lhe;
- Olha Joaquim és tu que vais entregar a Mesa
à tua madrinha e aconselho-te a convidares o Manuel sapateiro. Eu já cá tenho a minha dose.
Prossegue amanhã
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