MAIORIDADE
Há
dezoito anos, meados de Maio, comecei a habitar na cidade de Évora. Lembro-me
de tudo me fascinar, da tranquilidade ao património, da escassez de trânsito e
do meu espanto quando ouvia dizer que a circulação era um caos.
Adorava caminhar por ruas
desertas e descobrir espaços, nesta cidade onde se adivinhavam as memórias de
outros tempos e se tinha a sensação de que cada local era a nossa casa, o ponto
de chegada.
Os primeiros anos foram estranhos
e não me permitiram perceber como é que os eborenses viviam e sentiam a sua
cidade. Saía muito cedo para o trabalho, que ficava a 100 km, e regressava
demasiado tarde para poder estabelecer laços com pessoas e para descobrir a
forma peculiar de viver numa cidade de província, com características de centro
de um vasto território para o qual olhava com alguma sobranceria.
Algum tempo depois comecei a
viver e a trabalhar na cidade, a construir um outro tipo de conhecimento sobre
o que se via e o que era invisível e apesar disso determinante para se
sobreviver tranquilamente entre círculos que nunca se cruzavam e que marcavam
(marcam o território),
Envolvi-me intensamente na vida
da cidade e fui descobrindo particularidades que a alguém que nasceu numa vila
operária, bastião da resistência, pareciam estranhas como a importância do nome
de família, da origem social, de ser ou não respeitador da iconografia
construída e dos seus acérrimos defensores,
Passado o tempo da estranheza,
aprendi a viver entre códigos que não eram os meus e a construir ligações de
intensidade diversa com os tais círculos que não se intersectam e nessa
aprendizagem tornei-me num eborense. Talvez um pouco diferente, mas ainda assim
um eborense.
Bem sei que para alguns serei
sempre um paraquedista, alguém que veio de fora e que não tem nada a ver com a
cidade. Deixem-me dizer que considero este epíteto um elogio. Um paraquedista
tem uma visão mais abrangente do território, tem a coragem de saltar no vazio e
a liberdade para decidir se volta ou não a saltar.
Passados dezoito anos sobre a
minha vinda para residir em Évora, nada beliscou o fascínio inicial pela
cidade, nada me impede de continuar a descobrir a cidade invisível, umas vezes
entusiasmada e emocionada, muitas vezes descrente sem conseguir que o espelho
lhe devolva a imagem da mais bela de todas.
Após 18 anos de vida em Évora
tornei-me num dos seus, sem perder as características que o tempo de vida
noutras cidades me moldaram.
Gosto da marca que a cidade deixa
em mim, gosto de cada recanto da cidade com e sem pessoas. Gosto da
generalidade das pessoas e não espero nenhum tipo de reciprocidade de nenhuma
delas.
Desculpem lá esta conversa de
quem acha que a maioridade se atinge aos 18 anos e que, apesar disso, não
podemos deixar morrer o Peter Pan.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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