UM EXEMPLO
Da viagem a Matera, capital
europeia da cultura em 2019, ficam memórias, exemplos, reflexões e a
possibilidade de comparar o caminho de uma pequena cidade italiana desde 2010
até à decisão, em 2014, com o processo iniciado por Évora em 2016.
Ficam exemplos que nos fazem
sorrir, pela similitude com a nossa cidade e região, fica a angústia pela
inexistência de uma região administrativa que, no caso de Matera, foi decisiva
para a construção da candidatura, desde logo nos apoios financeiros obtidos.
Como devem imaginar esse é
assunto para um relatório mais pormenorizado com aspectos que não cabem na
leveza de uma crónica de três ou quatro minutos.
Das muitas trocas de
experiências marcou-me em particular uma visita a Sassi, classificada como
Património da Humanidade. Estarão a pensar em descrições pormenorizadas de
valores patrimoniais, com narrativas construídas em torno de poderosos que
mandaram erguer esta igreja ou aquele palácio, mas não foi nada disso que
aconteceu.
O jovem guia levou-nos através
de uma cidade construída e escavada, onde as pessoas viveram em grutas até à
década de cinquenta do século XX. Ao mesmo tempo que nos mostrava as
curiosidades do imbricado de casas e grutas foi explicando a vida miserável dos
habitantes de Sassi, que partilhavam a sua casa com os animais de trabalho em
situações de absoluta miséria.
Explicou-nos o processo de
retirada dos habitantes para fora de Sassi, colocados em bairros residenciais
na periferia de Matera e como isso, tendo mudado a vida das pessoas também
destruiu os laços sociais que as ligavam.
Fez-nos olhar para o período
fascista e para o pós-guerra, contou-nos da importância de um escritor, Carlo
Levi, que Mussolini desterrou naquela região, e de como a sua obra “Cristo si è
fermato a Eboli” sobre as pessoas que viviam em cavernas e estavam desprovidas
de qualquer existência humana, foi importante para que se fizesse luz sobre
Sassi.
Falou-nos de Pier Paolo
Pasolini e do filme que ali realizou, sem artifícios de folclore e com um
discurso que lhe permitiu dizer que o realizador era ateu, marxista e
homossexual, afirmando com ironia que quase poderia ser a encarnação do diabo
na época.
Passou rapidamente por cima do
filme Mel Gibson, referindo-o apenas como uma mera curiosidade.
Voltou a centrar-se na história
da miséria de um povo e contou-nos como depois da publicação da obra de Levi,
muitos políticos ilustres visitaram e conheceram a realidade daquela Itália
desconhecida, referindo como exemplo a visita de Palmiro Togliatti, à data
dirigente do Partido Comunista Italiano.
Foi umas das visitas guiadas
mais impressionantes a que assisti, pela forma como um jovem
extraordinariamente culto soube fazer-nos viver o território que nos mostrava.
Querem um contraponto? O
motorista de táxi que nos foi buscar ao aeroporto de Bari, apoiante do
movimento cinco estrelas, que quando questionado sobre a importância de Matera
como capital europeia da cultura, encolheu os ombros e apontou para a estrada
mal tratada. Não sendo capaz de dizer mal, lá foi dizendo que era tudo uma
merda. Ele, um apoiante de Beppe Grilo a falar de dentro do seu balde.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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