Quinta, 02 Julho 2015
É possível fazer uma
crónica esta semana que não seja sobre a Grécia? E se todas as crónicas sobre a
Grécia fossem sobre nós? Sobre opções que tomamos em função dos nossos
interesses mais imediatos? E se a Grécia de hoje fosse uma ilustração de
histórias contadas noutros tempos?
Hoje, ao assistir a algumas entrevistas
feitas a manifestantes que parecem disponíveis a viver debaixo do jugo do
capital transnacional, vieram-me à memória as imagens das manifestações da
“classe média” chilena manipulada por interesses que não eram os seus, a bater
nos tachos contra o governo de Unidade Popular, liderado por Allende.
Um dos entrevistados
(entrevista difundida pela Antena 1) lamentava não poder levantar
mais de 60 euros por
dia porque assim não podia enviar os dois filhos para Londres onde irão fazer
os seus estudos superiores.
Preocupação com os
gregos desempregados? Com os pensionistas que irão sofrer mais cortes nas pensões?
Com o aumento do IVA sobre os produtos essenciais? Com cortes na saúde e
educação? Com o fim da soberania? Nada disso lhe parecia dizer respeito.
Pela tarde um grego,
apoiante do não, resumia a sua opção de voto numa palavra: dignidade.
Perante a insistência
da jornalista que falava nas provações que o povo grego iria passar, ele
respondeu que em três mil anos os gregos passaram por momentos bem piores e
souberam superá-los.
Podemos teorizar sobre
as opções do governo grego, sobre se deviam ou não ter nacionalizado de
imediato a banca, sobre se deviam ou não ter sido mais duros com os credores.
Podemos desenhar um
quadro comparativo com todos os detalhes que separam os que
querem resistir à
voracidade dos mercados daqueles que preferem a segurança de viver de joelhos.
Mas, no fundo, tudo se
resume a optar entre as posições e os interesses daqueles dois entrevistados.
O primeiro está-se nas
tintas para dignidade do povo grego, desde que consiga levantar a tempo e horas
o dinheiro para os filhos irem para Londres. O segundo, sabendo que os
sacrifícios serão
enormes, está disposto a isso em nome da dignidade do povo grego.
O chico esperto, ao
almoço na esplanada, a quilómetros de distância e sujeito às mesmas
humilhações, dirá
“pois, pois, mas a dignidade não paga a prestação da casa nem a conta do
supermercado”, para à noite colocar nas redes sociais uma frase qualquer sobre
a preferência de morrer de pé a viver de joelhos.
A minha prima Zulmira,
nos seus momentos mais amargos, costuma achar que a “classe média” é o
instrumento mais eficaz que o sistema utiliza para não implodir, porque
transforma a luta de classes num “video game” onde os “maus” ressuscitam sempre
e quando se desliga a consola tudo continua inalterável.
No meio desta
acalorada discussão sobre o direito dos povos decidirem sobre os seus destinos,
voltei aos tempos da escola primária e recordei, com o senhor professor, que
quem de 19 tira 1, fica com 18.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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