O Povo na Revolução
de 74
«As pessoas estão a ficar cada vez mais sensíveis à necessidade de
solidariedade de todas as forças democráticas seja qual for a raça, filiação
partidária, crença religiosa e convicção política.»
Nelson Mandela
(in artigo no
jornal “Liberation” - “As
pessoas estão destruídas” - Outubro
de 1955)
Estão decorrendo quarenta anos sobre a Revolução de 25 de
Abril de 1974 - movimento revolucionário em que à semelhança
das Revoluções de 1383-85, 1637, 1640, 1820 e 1910, o Povo constituiu um esteio
imprescindível no êxito político-militar, bem como nas transformações que
advieram (no âmbito destas mesmas
Revoluções que aludimos), enquanto avanço despoletado (à maneira de síntese na
dialectica da História) no campo cultural, social, político e económico - se
atendermos a abertura à Liberdade, à Democracia e ao fortalecimento do espírito
patriótico e de independência no cômputo do mundo das Nações.
Sobre a “Revolução de Abril” de 74, refere Joana Amaral Dias
(in “Portugal a Arder”) o seguinte:
«Igualdade e Liberdade, eis as palavras mágicas da Democracia e cujo equilíbrio
é necessariamente delicado. Mas Abril garantiu-as? Em Portugal, recordista das
desigualdades na Europa, país onde 20% da população vive na pobreza, evocar a
Igualdade é como esperar pelo Pai Natal. Já a Liberdade dos Cravos, que acabou
com a longa ditadura da mordaça e guerra, agoniza. O “Apartheid” entre ricos e
pobres, o desemprego, e a iliteracia perigam esta Grande Senhora. Acresce que
este governo pôs-lhe pés de barro. À tecnologia que permite controlar
abusivamente cidadãos, juntou tentativas de derrubar sindicatos, cadastrar
grevistas, e criar um clima de repressão intolerável para um “25 de Abril”
quarentão. E à polícia nas feiras do livro e a baixar cartazes nos protestos,
ou à recente condenação de alunos do ensino secundário (por participarem numa
manifestação) acumula-se a sanha de Sócrates contra a liberdade de expressão
bem patente por estes dias.»
Este texto, publicado a Maio de 2011, constitui uma denúncia
aos ataques às instituições da “Revolução Abrilista”, em criar um estado
democrático (que significa criar um exército democrático, uma política
democrática, uma justiça democrática, e órgãos de poder que assegurem ao povo
português a escolha e a determinação da política nacional. Afinal, só um estado
democrático pode garantir a liberdade ao povo português).
E seria esse mesmo estado democrático, que o Povo português
almejava conseguir alcançar (e conseguiria), no golpe militar de 25 de Abril de
74, e nas manifestações políticas de 75
- como é aludido na obra
histórica de Raquel Varela: “História do Povo na Revolução Portuguesa - 1974/75”. Seria um movimento militar que
envolveria 5000 homens a pegar em armas, juntando-se aos “Capitães de Abril”.
Ecoam-nos as palavras de Salgueiro Maia, proferidas aos soldados da Escola
Prática de Cavalaria (Santarém): «Chegou o momento! O MFA, que quer dizer
Movimento das Forças Armadas, vai esta noite derrubar o regime. Temos de acabar
com a guerra e arranjar uma solução política. Não pode haver recuos... resumindo: há vários tipos de Estado: os
Estados capitalistas, os Estados comunistas e o estado a que chegámos. Nós
vamos a Lisboa acabar com o estado a que chegámos. Quem for voluntário dê um
passo em frente!»
E como os militares de Abril ombrearam com o povo de Lisboa
de 1383-85 (como nos relatam as Crónicas de Fernão Lopes), com os Montemorenses
(e outros alentejanos) da Revolução de 1637, com João Pinto Ribeiro (a delinear
o “1º de Dezembro de 1640”), com os soldados vintistas (1820), como transparece
na peça “Felizmente Há Luar” - de Luis
Stau-Monteiro, ou com os soldados de Machado dos Santos (5 de Outubro de
1910)... !
Realmente, Raquel Varela denuncia na citada obra histórica,
o papel imprescindível da classe trabalhadora em Portugal -
durante uma ditadura atroz e brutal: no “trabalho de sapa” da
politização, bem como (em sequência do golpe militar) em greves, ocupações,
autogestão, manifestações, acções colectivas, tomadas de posição sindicais,
partidárias, comités de luta, terras ocupadas, comissões de trabalhadores,
assembleias de soldados, reuniões gerais de trabalhadores ou estudantes,
etc....
Na Introdução ao livro, diz-nos a autora: «A revolução mudou
profundamente o País. Alguns dos seus resultados continuam presentes na
educação, na saúde, na segurança social, no lazer e espaços colectivos de quem
cresceu no Portugal depois de Abril. Mas a revolução não mudou de forma
duradoura nas relações de produção. O Estado recompôs-se, o regime equilibrou-se,
e os governos sucederam-se à margem do envolvimento das pessoas, ao arrepio do
que caracterizou aquele biénio de 1974-1975. Porém, essas pessoas mudaram com a
revolução. Quem fez a revolução, porque já cá estava, porque veio de longe
trazendo na bagagem o romantismo das revoluções, porque se recusou a combater
na guerra, porque exigiu definir onde ficava a creche, como estavam as contas
das empresas, porque geriu o conselho directivo, porque aprendeu o significado
da democracia directa, uma democracia homem a homem, face a face, de um voto de
mão erguida, nas comissões de moradores, comités de luta, terras ocupadas,
comissões de soldados, reuniões gerais de trabalhadores ou estudantes. Essas
pessoas não mudaram tudo. Mas terem feito a revolução mudou-as para sempre.»
Efectivamente, nada ficou como dantes: aliás, ficariam os gérmenes da
Democracia - numa aculturação que funcionará com a difusão
do livro, os “media”, a Escola, a Associação Cultural, a Associação Desportiva,
o Sindicato, o Partido (a ultrapassar o comodismo do adormecimento mental - na
formação da Pessoa e do Cidadão). É que, o que não deve nem pode ser monopólio
de uma elite, é a cultura; essa tem de reivindicar-se para a colectividade
inteira, porque só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria,
ditando a todo o momento a tonalidade geral da orientação às elites
parciais - faria notar Bento de Jesus Caraça.
Além do mais, sem Cultura o homem não adquire a compreensão
dos fenómenos que observa, quer se verifiquem no mundo natural ou no mundo
social; não adquire aquela consciência de si próprio que, realçando as suas
qualidades individuais, melhor o integra no conjunto social em que vive
mergulhado. Não pode, portanto, ter uma consciência esclarecida dos seus direitos
e dos seus deveres; e, em consequência, está, ao menos potencialmente,
feudalizado, dependente das direcções a que outros o sujeitem. É um vassalo,
não um cidadão - disse-nos Victor de Sá.
Felizmente, que
- com a Revolução de Abril de
1974/75 (participada e avalizada pelo Povo)
- se nos rasgou (com a extinção da Censura, com a liberdade de
expressão, com a melhoria das condições económicas) os maravilhosos horizontes
da Cultura: abrindo-nos o caminho da Humanização. Saibamos merecê-la e
aperfeiçoá-la indefinidamente: a “Revolução dos Cravos”.
José Alexandre Laboreiro
1 comentário:
O Vítor de Sá tinha razão.
E assim, a Revolução dos Cravos
tem que dar rapidamente lugar a outra revolução:
A Revolução dos EsCravos.
É urgente.
Enviar um comentário