Introdução
Quando da mui recente conquista do Prémio F.
Pessoa em 2014 por Henrique Leitão, especialista da História das Ciências e do
“Quinhentismo Português”,(FCL) Coordenador da exposição sobre as obras de Pedro
Nunes, em conversa com o Mestre António Neves Berbém e, a propósito do prémio e
da distinção concedida, veio a “talhe de foice” abordar os feitos científicos deste
grande Cientista Português dos séculos XV/XVI, o período áureo das nossas Descobertas e Viagens Marítimas pelo
Mundo “até então desconhecido”.
Foi então que tomei conhecimento que o colaborador
do Al Tejo, A.N.B., havia no ano de 2004 publicado na revista “ANAIS” da
Universidade Autónoma de Lisboa,um texto biográfico e ensaístico daquele que
foi, porventura, o maior cientista português:alentejano e de Alcácer do Sal.
Coetâneo do nosso Diogo Lopes de Sequeira.
O 4º Vice-Rei da Índia,descuidadamente
(des)valorizado nos seus feitos e aventuras ignorado pela sua terra - mãe que é
o Alandroal onde jaz e foi também Alcaide ilustre.
Nesta senda que, desde sempre, temos vindo a prosseguir, de recriar a leitura de textos que possam
contribuir para um maior conhecimento e cultura histórica dos nossos leitores e
visitantes, apressámo-nos a solicitar ao nosso conterrâneo a cedência do seu referido
trabalho para uma oportuna edição no Al tejo.
Pedido este que foi,de imediato aceite e
estamos a concretizar.
Assim, hoje e amanhã e depois (em três partes)
iremos dar a conhecer o que foi
publicado da autoria de António Neves Berbem.
F. Tatá
“Pedro Nunes
Cientista de Maior Tamanho”
I
Ao tratarmos das suas diferentes
experiências enquanto matemático, inventor do nónio e Cosmógrafo-Mor (desde
1547 com a tença anual de 50.000 réis) e ao percorrer as diversas fases
da vida de Pedro Nunes, de ascendência judaica, torna-se necessário
reconhecer que o seu nome e obra impõem novas investigações no âmbito da História
das Ciências em Portugal. Como vem fazendo Henrique Leitão.
Atitudes que a nossa historiografia neste
caso foi evidenciando sobretudo desde os anos vinte do século XX e tem vindo a
redescobrir precisamente quando se vêm celebrando 500 anos do seu nascimento no
além-Tejo de Alcácer do Sal.
Pedro Nunes foi autor de um conjunto de
obras fundamentais para compreender o mundo em que então se vivia, como era
pensado, discutido e depois impresso, particularmente nos campos da Matemática,
Astronomia e Cosmografia.
Os seus críticos e seguidores
comentaram-no. Fez parte de uma pequena elite investigadora e actuante nos
confrontos e aprofundamento de novos saberes. Com origem europeia e vocação
universal. Tanto quanto Copérnico, tornou-se Pedro Nunes um cientista célebre
enquanto inventor do Nónio- instrumento
matemático que permite medir com a máxima exatidão as fracções de uma divisão
numa escala graduada.
Invento que foi introduzido num outro
instrumento para analisar a posição dos astros e a sua altura, acima do
horizonte, o Astrolábio, acerca do qual Pedro Nunes anunciou ser da sua autoria
um tratado demonstrativo.
Tal como outros cientistas europeus, Pedro
Nunes foi um investigador de alta sabedoria que soube resistir ao lugar comum e
marcou – e de que maneira o fez- o ambiente intelectual da sua época.
Foi o primeiro, segundo Edgar Prestage
em Descobrindo Portugueses (1943), a estudar a natureza das
curvas «loxodrómicas», em dois tratados que acompanharam o
Tratado da Esfera – o Tratado Sobre Certas Dúvidas da Navegação e o Tratado em
Defesam da Carta de Marear (1537) abrindo deste modo, o caminho para a
projecção cilíndrica que viria a aparecer no Mapa de Mercator.
Os trabalhos de Pedro Nunes foram
especialmente seguidos por D. João de Castro, podendo até dizer-se que um se
completava no outro. O primeiro, talentoso teórico e matemático procurando
resolver problemas de cartografia, o segundo também teórico mas, ao mesmo
tempo, prático de largos conhecimentos tornar-se-ia um estudioso da Natureza
com superior espírito científico como mostram, por exemplo, os seus três
Roteiros de Viagens (1538, 1539 e 1540-1541).
Vejamos agora alguns dos passos mais significativos da biografia de Pedro
Nunes.
Seguiu os cursos de Filosofia e de
Matemática na Universidade de Lisboa, onde, em 1529, alcançou o grau de
bacharel e foi encarregado da regência da cadeira de Filosofia Moral,
transitando depois para a de Lógica e mais tarde para a de Metafisica.
Por alvará de 1529, o Rei nomeou-o
Cosmógrafo com pensão anual de 20.000 réis, passando depois em 1547, a
Cosmógrafo - Mor com a renda já antes assinalada. Entre a primeira e a segunda
destas nomeações esteve em Salamanca e, ao que parece, passou também por Alcalá
de Henares.
De 1562 a 1572 Pedro Nunes afastou-se da
Corte e foi viver para Coimbra, tendo no reinado de D. Sebastião, regressado a
Lisboa, para se colocar ao serviço da coroa, como Cosmógrafo-Mor, no decurso
deste último ano.
Pouco tempo depois da transferência
definitiva da Universidade para Coimbra, foi nomeado (1544) Professor
catedrático desta escola, onde acabaria por ensinar até 1562, ano em que se
jubilou.
Os seus cursos eram muitas vezes
interrompidos por ausências demoradas, em virtude de o rei o chamar a Lisboa,
onde se ocupava de problemas técnicos postos pela náutica das viagens, ensino
dos pilotos e de jovens fidalgos, como o Infante D. Luís, filho de D. Manuel,
irmão do Cardeal D. Henrique e pai de D. António Prior do Crato.
Faleceu em 1578, sem nunca ter navegado
nas “ondas alterosas” do mar de Camões.
De salientar, neste percurso, o facto de nunca ter sido incomodado, ao que parece, pela Inquisição, em consequência das
suas origens judaicas.
Como sugeriu Joaquim Bensaúde, apenas
tinha reacções desfavoráveis aos seus trabalhos junto dos católicos ortodoxos,
de que é exemplo o ataque que Diogo de Sá dirigiu a parte da sua obra.
Ressalva-se na sua condição humana que os serviços
prestados à coroa e a consequente protecção que lhe era dispensada puderam
evitar «as perseguições» que mais tarde haveriam de sofrer os seus netos Matias
Pereira, Pedro Nunes Pereira, Rui Pereira Sampaio (cf. António Baião,
Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Vol .I ).
II
Mudando o rumo a esta apresentação, de Pedro Nunes, digamos que, ao
pretender pensar o não - pensado, o Mestre-Professor era fundamentalmente um
matemático de génio que começava por estar a par do mais avançado que a
ciência nautica da sua época discutia e/ou produzia já com bastantes contactos
internacionais.
Como que, por paradoxo, as duas obras mais
usadas e citadas por Pedro Nunes são Os Elementos, de
Euclides, e O Almagesto, de Ptolomeu. Trata-se, provavelmente,
das duas obras mais influentes em toda a História da Ciência. A primeira foi
escrita cerca de 295 a.C. e a segunda no século II d.C.
Como se deduz estas obras estiveram
esquecidas durante longos séculos. Após terem sido feitas algumas traduções
árabes a partir dos manuscritos gregos, foram redescobertas no Renascimento. Já
agora, acrescente-se que na I Exposição da Biblioteca Nacional puderam
observar-se as primeiras edições impressas de Os Elementos , datadas
de 1482, e de O Almagesto, impressa em Basileia em 1538.
As outras fontes mais usadas por Pedro
Nunes mostram, em simultâneo, que as suas consultas vão dos textos mais
consagrados aos textos mais revolucionários, passando pelas últimas novidades
dos prelos europeus.
Pedro Nunes acedeu às primeiras edições de
Purbáquio (1423-1461), de Regiomontano (1436-1476) e de Tartaglia (1500-1577).
E especialmente de Copérnico (1437-1543) destacando-se, deste último, muito
justamente, o célebre De Revolutionibus Orbium Coelestium.
Portanto, ao desvendar-se esta faceta do
matemático de Alcácer, ficamos, por exemplo, a saber que Pedro Nunes estudou em
profundidade as teorias do polaco Copérnico, como o demonstram os comentários
pertinentes que elaborou.
A polémica originada pela publicação deste
texto revolucionário, saído a lume precisamente, no ano da morte de Copérnico, “incendiou
a Europa”, tanto a católica como a protestante, ao ousar pôr em causa a teoria
de Aristóteles e a hipótese de Ptolomeu, segundo as quais a Terra se
posicionava no centro do mundo.
No seu tratado, Copernico, prudente,
avançava a certeira hipótese heliocêntrica, colocando o Sol no centro e
reduzindo a Terra a mais um entre os vários planetas satélites do astro-rei. O
interessante, a este propósito, é que, se bem que Pedro Nunes não tenha aderido
à hipótese heliocêntrica – praticamente ninguém, na sua época, o fez - os
escritos do autor português mostravam grande respeito pelo trabalho e dimensão inovadora
do astrónomo polaco.
(Prosseguiremos amanhã)
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