Terça, 03 Fevereiro 2015 09:23
A propósito da que
classifico eufemisticamente como incauta afirmação da Sra. Ministra da Justiça,
«Falo ao telefone como se fosse para um gravador», lembrei-me da palavra “Alô”.
É uma expressão, ou melhor uma
interjeição, que alguns usam mais por contaminação do intermediário português
do Brasil do que por apropriação do idioma que lhe deu origem. Sendo um
aportuguesamento do «Hello!» inglês, se o usamos é para substituir o
«Está sim!» ou «Está lá!» ou o só «Estou!», quando respondemos a um telefonema.
Mas “alô” no português do Brasil também muda frequentemente de interjeição para
substantivo e utiliza-se como sinónimo de aviso ou chamada de atenção para
determinado assunto. Como na frase, por exemplo: «Dê um alô à turma sobre a
mudança do horário.»
Será que a conversa
que a Sra. Ministra fez foi um aviso aos portugueses que ainda acreditam que
vivem num Estado de Direito? Será que, com os avanços tecnológicos, esta
vigilância sobre o cidadão comum é uma realidade mais próxima e não apenas um
discurso de afirmação de poder déspota, ou até só ficção científica? Será que a
Sra. Ministra sabe que quem tem a autoridade para andar a escutar o que dizemos
ao telefone a está a exercer sobre qualquer cidadão insuspeito como o devia
ser, já agora, uma Ministra da Justiça?
Por outro lado, Alô! é bem mais teatral do que o «Estou!»,
convenhamos. Mais apropriado então para quem suspeite que está a ser ouvido por
um público mais vasto do que o interlocutor do outro lado da linha. Terá sido a
afirmação da Sra. Ministra uma cena intencionalmente cómica? Assim a evocar,
sei lá, o «Alô! Alô!», essa magnífica comédia britânica de televisão
transmitida na BBC durante 10 anos, a partir de 1982. Contava a história do
René, dono de um café francês, durante a Segunda Guerra Mundial, numa vila
ocupada por alemães que tinham roubado todas as obras de arte da vila. De entre
o roubo incluía-se uma pintura - aThe Fallen Madonna (with the big boobies) de van Klomp. O comandante alemão
destacado na vila decide guardar as pinturas para si próprio, de forma a
garantir a sua reformazinha após a guerra, e consegue que René os esconda no
café. A Gestapo também quer encontrar o paradeiro das pinturas e envia o
inesquecível Herr Flick, para as procurar. Ao mesmo tempo, René está a esconder
no café corajosos pilotos britânicos, pois é forçado a trabalhar com a
Resistência, ou seria assassinado por servir os alemães. Os planos da
Resistência para enviar os pilotos de volta para a Inglaterra, que falham
sempre, são o centro de atenções de todos os episódios. O objetivo da série não
era fazer piadas sobre a guerra, mas sim sobre os filmes baseados na guerra,
tendo acabado por fazer piadas sobre muitas mais situações. Desta série
ficou-me uma expressão usada muitas vezes, contrariando-se ao próprio conteúdo
da frase que dizia que só iria dizer o que seria dito uma única vez: «Listen
very carefully, I shall say this only once!». A Sra. Ministra poderia estar a
usar a mesma técnica de comédia. Sabe-se lá…
Talvez mais do que incauta a Sra. Ministra tenha sido
histriónica. Essa característica que até apreciamos, eu cá aprecio, nos
artistas, mas dispenso nos políticos que nos governam os destinos e têm
obrigação de ser sérios quando falam. Era bom que a Sra. Ministra percebesse
que cada vez que fala para o microfone de um ou uma jornalista está mesmo a falar
para um gravador e todos podemos ouvir.
Claudia Sousa Pereira
1 comentário:
Excelente analogia. Guardo religiosamente todos os episódios do ALLÔ - ALLÕ - que humor! Ainda os revejo com muita frequência.
Enviar um comentário