O Natal está associado à Natividade, ao presépio.
Durante a nossa infância e parte da adolescência, a chegada
desta quadra festiva implicava, entre
outras coisas uma itinerância quase obrigatória pelos presépios da vila, desde
as igrejas ao mercado, passando pelo pequeno comércio e pelas mais diversas
instituições da terra.
Os presépios das igrejas eram, por norma. Os mais
imponentes, com figuras de tamanho apreciável e de grande beleza, dispostas em
cima de cortiça e musgo abundantes. Algumas delas tinham uma expressividade tal
que até parecia que o artista que as concebeu lhes conseguira moldar o corpo e
a alma.
Do hospital de S. João de Deus guardamos a lembrança de um
presépio animado. Que na altura, nos deixou completamente embasbacados. O sobe
e desce da picota., o continuo girar das velas dos moinhos, o movimento ritmado
dos ferreiros e dos lenhadores emprestavam àquela manifestação natalícia um
realismo, uma verosimilhança tais que nem sequer questionávamos o facto de
acontecimentos passados há dois mil anos poderem coexistir com cenas do nosso
quotidiano.
Especial era também o presépio que o amigo Júlio Rodrigues
(o Julinho) e a D. Carlota armavam numa das
floreiras do mercado. Além das tradicionais figuras de barro, existia uma
profusão de bolas e fios de Natal, de papel celofone e colorido, de brinquedos
e de flocos de algodão espalhados por tudo quanto era sitio. E tudo misturado
com bananas, laranjas, romãs e outra fruta, dando-lhes uma certa carga de
exotismo.
No plano estudantil, era da praxe a montagem de um grande
presépio no colégio, ali na avenida. Tudo começava com longas caminhadas em
grupo, campos fora, à procura de musgo, fetos e azevinho. Depois toca a puxar
pela imaginação, arregaçar as mangas e proceder à respectiva instalação no
átrio do edifício principal.
Enquanto isso, no ginásio, professores e alunas organizavam
peças de roupa e davam os últimos retoques em alcofas, berços e caixas de
cartão. Muitas delas foram adquiridas nas papelarias locais. Lembramo-nos por
exemplo de um S. José e de uma Nossa Senhora, embevecidos, de olhos postos na
graciosidade do Menino nas palhas, de um pastor de joelhos, de ar extasiado, qe
costumávamos colocar à entrada da gruta; de um outro com um cordeiro aos ombros
apontando o olhar para o anjo ou para a estrela distante…
Por estranho que pareça, era bem pequeno o presépio que
fazia (ainda hoje faz) as nossas delícias. Prova de que os presépios não se
medem aos palmos.
Fosse qual fosse a altura do ano, bastava subir à Ermida da
N, Sr.ª da Visitação e, logo à entrada, do lado direito, ali estava aquele
fantástico presépio dentro de um oratório envidraçado, com enfeites de talha
dourada. Consta que o belíssimo trabalho de terracota policroma data de 1800,
aproximadamente, e que a sua origem é. Com alguma probabilidade, estremocense.
Ainda hoje, quando vamos à Ermida, é como se voltássemos a
ser crianças, não resistindo a admirar a minúcia daquela obra de arte, a
descobrir novos motivos ornamentais e a meditar na magia do natal.
Alem da componente religiosa, os presépios também podem ser
vistos como representações da sociedade em épocas diferentes. No da N. Srª da
Visitação, não faltam os pastores, as fontes, os carros de bois, a matança do
porco, as mulheres com galinhas debaixo do braço e cestos de ovos à cabeça. Num
recanto, vê-se um grupo de músicos tocando sopros e tambores, enquanto um outro
se aquece nas brasas de um fogareiro. Enfim um prodígio de cor, de imaginação
e, ao mesmo tempo, um documento de grande valor iconográfico e folclórico.
Tudo está disposto num belíssimo cenário, em planos
diferentes: lá em cima o castelo. E o casario; depois a sumptuosa caravana dos
reis magos, com cavalos e camelo ricamente ornamentados, e até um elefante a
fechar o séquito. Por ali abaixo sucedem-se as dezenas de figuras populares até
se chegar à boca de cena, ao centro de todas as atenções: A Sagrada Família a
vaca e o jumento dentro do estábulo escavado na rocha, tudo envolto numa
constelação angelical.
Desafiando a atenção do observador mais arguto, existe a
emoldurar a gruta e outros pontos do cenário uma sobrecarga de elementos
decorativos, alguns deles improváveis: conchas, repteis, búzios, pavões …. Sem
dúvida, um paciente trabalho de imaginação, de criação artística, que marca uma
época.
Perde-se no tempo a comemoração do nascimento do Messias e a
influência que o tema ganhou no domínio das artes. Segundo rezam os livros, foi
S. Francisco de Assis, no séc- XIII, o grande responsável pela difusão dos
presépios. A tradição espalhou-se inicialmente por toda a Europa, sobretudo nas
casas das famílias ricas. Depois, foi-se estendendo a outras classes sociais e
a outros lugares.
De acordo com consulta que fizemos, os primeiros presépios
públicos aparecem em Portugal durante o período renascentista e, no século
seguinte, espalham-se por todo o país. Porém é no sec. XVIII que surgem os mais
bonitas e monumentais representações da Natividade. Muitas delas são hoje
consideradas verdadeiras obras de arte., moldadas por grandes barristas
portugueses como Machado de Castro, António Ferreira, Manuel Teixeira, entre
outros. Em especial
Machado de Castro e a sua escola aparecem frequentemente
associados à construção de presépios, que o sèc. XIX, considerado mais
democrático, virá popularizar.
Independente do tamanho ou do valor artístico das figuras e
barro, o importante é que a Humanidade abra o seu coração à partilha, à
compreensão, à fraternidade, ao Amor entre os Homens.
Há dois mil anos, pelo menos, que se anda a dizer a mesma
coisa e parece que nunca mais se aprende. Ou é burrice, distracção ou ruindade
do bicho-homem!
Bom Natal e Feliz Ano Novo
Vítor Guita Dezembro 2013
1 comentário:
“Há dois mil anos, pelo menos, que se anda a dizer a mesma coisa e parece que nunca mais se aprende. Ou é burrice, distracção ou ruindade do bicho-homem!”
A prosa de Vítor Guita secundada pela minha poesia.
Também eu digo versando: “Vão dois mil anos passados”
Relembro também Palavras de Jesus:
“Deixai vir a mim as criancinhas”
Prece ao Menino Jesus
Meu bom Jesus, por favor;
Atende a minha prece,
Que é feita com todo o amor
Que qualquer criança merece
Eu bem sei quanto sofreste
Enquanto andaste por cá;
E ainda hoje cá não está
Aquilo por que morreste...
Tanto amor, nos ofereceste,
E em troca, que horror!...
Recebeste apenas a dor
E até foste crucificado.
Perdoa tão grande pecado,
Meu Bom Jesus, por favor.
Vão dois mil anos passados,
Depois que a tua doutrina,
A todos nós nos ensina
A amar para ser amados!
Amor por todos os lados,
Quando o Natal acontece,
Mas logo desaparece
Está visto, e mais que visto.
Ajuda-nos, Jesus Cristo,
Atende a minha prece.
Eu te lembro, Bom Jesus:
Há crianças cá na Terra,
Sendo vítimas da guerra
Carregando pesada cruz!
Bafeja-as com a tua luz,
E salva-as, ó Salvador!
Em ti que és o Redentor,
Empenho as minhas esperanças,
Nesta prece pelas crianças,
Que é feita com todo o amor.
Não são as crianças, não!
Quem provoca os tumultos…
Isso é obra de adultos;
Adultos sem coração.
P´ra eles te peço o perdão,
Que bem precisam, me parece.
Quem a Tua Palavra esquece,
Segue, errando, num caminho,
Sem o amor e carinho
Que qualquer criança merece.
Versos Dispersos
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