Terça, 17 Dezembro 2013 09:31
São cada vez mais as notícias sobre
vítimas, mortais, de violência doméstica. No entanto não sei se há mais vítimas
agora do que há 40 anos atrás, com as devidas proporções demográficas tidas em conta. São , é sem
dúvida, mais as discussões em espaço público sobre o assunto.
Está o problema centrado na
inadmissível violência, que alguns fazem recair sobretudo numa questão de
género o que me parece já redutor, e que é tanto mais inadmissível, sendo-o
desde sempre, quanto mais o Homem (assim com maiúscula) se afasta da besta num
rumo desejável da civilização.
Mas a questão também se centra, e de
forma muito vincada, na relação fronteiriça, e tantas vezes violada por “dá cá
aquela palha” e alimentando o que de pior há em nós, entre o público e o
privado. Por isto, a violência em domínio privado passou a ser considerada
crime público, ainda que só há uma dúzia de anos, e não sem controvérsia, aqui em Portugal. Nietzsche
afirmava, na sua obra «Para além do Bem e do Mal», que “Em homens duros a
intimidade é questão de pudor - e algo de precioso” o que justificará a
denúncia de uma situação da intimidade, ainda que de outrem, para o domínio
público como, ainda para muitos, um ato de fraqueza, semelhante à da delação, e
não de coragem. Também neste campo as fronteiras são difíceis de medir e
julgar, com parâmetros de Bem e Mal à mistura e a baralhar o comum mortal.
A preciosidade da vida íntima ou
pessoal, característica que Nietzsche lhe atribui na sentença que citei, é
precisamente o que tantas vezes leva à hesitação da denúncia, pelos próprios, e
aí é queixa, ou terceiros. Queixa e denúncia são substantivos negativos, sendo
até o diminutivo “queixinhas” sinónimo de denúncia. Substantivos tutelados por
um outro maior, e tão louvado e usado, que se adjetiva inúmeras vezes para
fazer descer ao caso particular: o amor. E muitas vezes, só quando o amor a
outros se sobrepõe ao amor-próprio ou até mesmo, porque não admiti-lo ao amor
por quem maltrata, só aí a fraqueza se faz coragem, e se disfarça com o medo.
O que me parece certo é que, para além
das patologias que só encontram possível cura junto dos médicos, mais uma vez é
na educação que se previnem os casos, ligeiros ou extremos. Ambos são de
violência, que acontecem no espaço privado das famílias e que, na maioria dos
casos, têm conotações e justificações com a intimidade sexual de cada um. E
para que também não se caia na tentação do extremo oposto que, afinal, vem
depois legitimar o descrédito das “queixinhas”. É, por isso, tão lamentável
existir quem, com responsabilidades políticas, pareça continuar a achar que a
educação sexual na escola pública, tantas vezes confundida porque quem não
conhece os seus conteúdos, e que assenta, quando é bem feita, na sólida base da
educação dos afetos, seja ainda matéria controversa e, por isso, a rejeitar e
não a aprofundar. Como também ouvi esta semana que passou, isso seria deixar
espaço a que para muitos, talvez ainda uma maioria dos jovens no mundo inteiro,
a educação sexual se faça atrás do pavilhão da escola, e com ela a dos afetos.
Pode, afinal, tratar-se de uma questão quase geracional, talvez.
Agora que o Natal se aproxima e a
quadra já se vai revestindo desse ambiente que promete o amor e as tréguas
entre todos e em geral, nem que seja só como interrupção do resto do tempo e as
rotinas prossigam dentro de momentos, talvez a tolerância ganhe outra
definição. Mais próxima da intolerância com pactos de silêncio perante
situações que sendo da vida íntima, uma tolerância despudoradamente viva na
denúncia sem estigmas de delação, mas única e exclusivamente com pudores,
porque também os deve haver, de justiça. É que nestes casos em que tantas vezes
só podemos julgar pelas aparências, porque tudo se passa no espaço privado,
quando chegamos a saber e calamos, consentimos.
Até para a semana.
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