terça-feira, 17 de maio de 2011

COLABORAÇÃO - EVELINE SAMBRAZ

« As Voltas Trocadas »

Onde, no ano 780 da era cristã, se assiste à confecção dum prato de chícharos com cabrito, numa receita árabe, no sítio do Chapim, ali entre a actual Mina do Bugalho e Juromenha, nas margens do grande rio.

Ainda o rio era conhecido por " Grande Ribeira de Odiana," nome com que os Romanos tinham denominado o enorme curso de água que corria para sul. Muito antes dos novos conquistadores o terem rebaptizado de rio Quadiana, já nas suas margens, por aquelas zonas mais meridionais da península ibérica, se tinham instalado muitos nobres árabes que se dedicavam à agricultura. Eram grandes casas agrícolas, cujos proprietários não deviam obediência a qualquer senhor; eram livres de escolher o lado em que faziam a guerra e para tal possuíam os seus próprios exércitos ; exércitos esses que eram compostos por servos que em tempos de paz, trabalhavam as terras.
Pouco mais de século e meio tinha passado desde que os muçulmanos, a partir da península arábica, tinham estendido a sua religião e o seu poder político por todo o norte de África.
Assim, quando no início do século oitavo, os muçulmanos atravessaram o estreito de Gibraltar, as populações do sul da península ibérica, acolheram-nos como libertadores, na medida em que se sentiam oprimidas pelos povos que vinham do norte ; esses povos foram levados de vencida até muito para cima da cidade que é hoje conhecida por Coimbra, situando-se por essa região a fronteira entre cristãos e muçulmanos ; aí, nessa fronteira, as escaramuças entre crentes das duas religiões eram frequentes, mas nas terras do sul a paz era o estado mais normal.
Sendo a paz o estado mais normal, por vezes, os príncipes árabes, do sul do território, guerreavam entre si; era nessa altura que os nobres latifundiários tomavam partido por uns ou por outros.
Esta crónica não é uma lição de História. Aliás, nas minhas crónicas, nunca se pretenderá ensinar nada seja a quem for. Quando muito, e já será bastante, levando em conta as minhas pretensões, estes escritos servirão apenas para registar uma ou outra curiosidade.
As lérias acima expostas, apenas servem para criar o contexto de que preciso para apresentar a tal receita dos chícharos com cabrito.

Omar I'Cbhal, nobre árabe, proprietário de vastos territórios situados entre a confluência da ribeira do Caia e a ilha da Cinza, decidira tomar partido por um vizir de Odemira que, dizem os trovadores, por amor se matou cedo, e que nessa época pelejava contra um vizir rival.
Reuniu um exército de cem alfanjes a cavalo e cinquenta lanças a pé, partindo em auxílio do amigo.
Porém, antes das tropas iniciarem a marcha para sul, decidiu dar-lhes uma lauta refeição, prevendo que por aí viriam tempos de muita míngua.
E é aqui que verdadeiramente começa esta crónica
- tomem nota da receita -
« ---- Primeiro, cozem-se os chícharos e o cabrito em grande abundância d'água, bastante sal e muita segurelha. Um molho de louro também virá a calhar.
Em seguida, faz-se um refogado com fartura de azeite, cebola picada e alhos em demasia, cortados em lamelas finas.
Quando a cebola estiver quebrada, regue abundantemente com vinagre.
Em seguida deite os chícharos e o cabrito, assim como a água em que foram cozidos.
Acrescente um pouco mais de segurelha.
Deite água e rectifique o sal.
Serve-se depois de ferver durante mais meia hora.
Em lume brando, é claro. ---- »

Este pitéu foi comido, com grande alarido, no pátio do monte do Chapim, por todos os que iam para a guerra mas como nem todos os guerreiros eram muçulmanos, e se estavam nas tintas para aquela treta de não beber vinho, que essa religião impunha, regaram bem a comezaina com o tinto que ficaria famoso como vinho do Alandroal.
Fama que ainda hoje mantém, passados que são mais de mil e duzentos anos.
Quanto ao resultado da guerra, não é para aqui chamado. Os historiadores que se encarreguem disso.

Eveline Sambraz.

Bibliografia consultada : Lucie Bolens « Andalousie et Mediterrané Médièvale. Ed. Droz. Genéve. 1981.

15 comentários:

Anónimo disse...

Será que o Vizir de Odemira era aquele que o Rui Veloso canta na « Ilha do Pessegueiro ? »

Para o que lhe havia de dar, Eveline !

Anónimo disse...

Digno da autora!!!
Exzelente o enredo, sem muito sangue,falando de terras de Paz,povos laboriosos,mais dados á confraternização e cordialidade, sem deixarem de ser uns senhores quando a isso são chamados, creio ter começado por estas bandas a alicerçar-se o verdadeiro caracter do povo alentejano.Bom, mas não é só disto, que quero comentar...
Pretendo acima de tudo, discutir a confecção de tal manjar!!!
Carissima EVELINE,não ponho em causa, alguns dos condimentos usados na epoca, mas, acho que um molho de louro, seria demasiado, isto penso ter sido uma pequena falha sua e também compreendo que uma escritora deverá ter muito pouco tempo e intuição, para as tarefas culinárias...
De qualquer modo, estou pensando muito seriamente em aproveitar a receita e fazer uma experência, claro que, rectificando o louro...
Um seu admirador,convicto!
HOMERO

Anónimo disse...

E de que Tasca seria o vinho?
Pela algazarrada era bom concerteza.

Anónimo disse...

Meu caro Homero com mais louro ou menos louro a verdade é que eram cento e tal manfios a comer e a beber...

Anónimo disse...

Senhor Homero

Cumprimentos


Bela decisão. Mas quando decidir aproveitar a receita e fazer a experiência, tem que ter testemunhas,tem que ter provadores,tem que ter quem o aplauda ou desaplauda.Não pode ser só tiro e queda no refogado.Ou lá a tramóia e travia (sem ofensa) que seja.
Tem,em suma, que ter cobaias comedoras.Que, em verdade, lhe digam apenas a CRUA VERDADE!

Mas o que eu queria que o Senhor Homero também soubesse, é que se nos convidar a mim (e ao Al tejo) lá estarei.Lá estaremos para reportar.
Não é Chico?

Sugeria ainda que um tão histórico repasto, fossse acompanhado de música com sabores,gajas,luz e tonalidade musical árabe.
Daquela que parece que nunca mais acaba virada para Meca.
Precisamente para que a nossa comezaina, tenha todos os estimulos sensoriais que os gustativos jamais podem dispensar.

O que é que acha?


Quanto à Eveline, percebe-se que tem jeito para a cozinha mas também fiquei com a impressão que é, afinal, a cozinha quem tem mais jeito para Ela.
Bom, isto é apenas uma maneira de ver as coisas.
Creio que pode ser algo injusta mas pode suceder a quem tem uma mão nos gaspachos e a outra na caneta.

Já agora, esse vosso par Eveline/Homero, importam-se de esclarecer este judeu de ascendência sefardita (se não estás enganado,oh berbem) de que cor,é a cor vinhática que mais se adequa à comezaina? E qual seria a temperatura ideal do tonus? A sua suavidade,a sua acidez,a sua graduação como seriam?
E a quanto tempo e a quantas sestas em seguida teríamos direito?
Isto para não dizer outras coisas...

Com as melhores saudações


Antonio Neves Berbem

francisco tátá disse...

Já agora meto o "bedelho" !
Para que meter carne nos "xixaros"?
Eu comi muitos (são bonitos quando florescem nos campos, o Al barram qualquer dia faz tal demontração).
Mas os ditos cujos já trazem a carne incorporada. Experimentem a cozinhar um prato nesta altura e comprovem a data de "carne" com que os mesmos nos comtemplam.
Nã percebem nada disto.
Xico

Anónimo disse...

Faço-me convidado para provar os xíxaros bicarnais.

Comandaate da serra maestra.

Anónimo disse...

Nem o vizir era o da canção..., nem a Eveline (gosto deste nome, já o disse) lhe deu para o que quer que fosse.
Apenas com engenho e arte nos dá conta de uma receita de há mil e tal anos, imagine-se de chícharos+cabrito, confeccionada nas margens do Guadiana, entremeada com a História de guerrilhas entre reinos mouros que se fizeram e refizeram com a ajuda, ou a traição, de cristãos, todos eles bem regados de sangue que hoje corre nas veias de todos nós.
Em tempos comi uma sopa de chícharos cozinhada por um mestre na matéria, em lume de chão brando e panela de barro. Uma delícia!
Pelo que li aqui, penso que o Homero é a pessoa indicada para o cozinhado. Eu, por mim, já me estou a convidar (e a lamber) para o manjar árabe acompanhado de um bom chá... Respeitemos os usos e costumes e guardemos o vinho para uma boa dose de carne de porco à alentejana.
Um abraço alandroalense.
AC

Anónimo disse...

Bom! Perante tantas insinuações e chamadas ao palco, mais não me resta do que aprazar tal repasto...
Vamos ver se no fim de semana de 10/6 , teremos todos a disponibilidade de estarmos presentes é a combinar1...
o XICO MANEL arranja os chicharos, o COMANDANTE da serra maestra,arranja algo do mar!para as entradas, o BERBEM organiza os chás!a EVELINE organiza o cabrito, pois de carnes deve saber! o AC apresenta-se e come e eu faço o petisco...
Não se esqueçam de organizar uma boa conversa...Temos que convidar o Bernardino!!! e o MANEL AUGUSTO, com um repasto destes e segundo a ideia do BERBEM, tem que haver cantoria!!!
Digam qualquer coisa...
Um abraço,
HOMERO

francisco tátá disse...

Eu digo desde já : PRESENTE.
Mas onde diabo vou eu arranjr os "xixaros" se não tenho horta, nem agrcultura que se veja?
Sábado já ou investigar no mercado.
Contem sempre comigo para "essas coisas"
Xico Manel

Anónimo disse...

Deixem-se lá de merdas !
Vocês querem é copos.

A mim .... o que me parece é que os chícharos com cabrito deve ser uma grande "lavasquice".

« desculpe lá Eveline »

Comam antes a sopa de chícharos e depois o cabrito assado.
Ah .... e bebam o vinho pelas chávenas .... sempre dá um certo tom árabe à coisa.

Anónimo disse...

Pelo último comentário, aparte a brejeirice, comer chícharos+ cabrito não quer dizer que se cozinhem juntos. Concordo.
Pode então ser assim a ementa:
-Sopa de chícharos
-Cabrito assado em forno de lenha(?)
-Chá tinto do Alandroal
-Tâmaras e doces regionais
Também concordo com a data. Presente.
AC

Anónimo disse...

Já comi chicharos com carne de «salgadura» «que para quem não sabe eram os ossos do porco aquando das matansas» ficavam na «salgadera» para serem comidos com o que houvesse.Mas neste caso tambem não quero ficar de fora e desde já me faço convidado para o almoço de chicharos , mas fundamentalmente estar com os amigos e houvir o Manel Augusto e o Dino. Se o motivo é os chicharos com cabrito ou não,pergunto .já estão prontos?vamos a eles e o chá tambem pode estar feito . eu por mim levo o tinto.um abraço ferrugento

francisco tátá disse...

Vamos lá então delinear uma ordem de trabalhos com cabeça, tronco e membros.
Aceite que está a sugestão do Homero e perante as aderências já verificadas, os Xíxaros vão mesmo marchar acompanhados seja lá do que for.
Eu vou entrar em contacto com o Homero, combinar o local e a logistica (o fado é imprescindivel) e no dia 01 de Junho (já está apontado) aqui no blogue vou dar os contactos telefónicos, o local e a ementa para que todos os que quiserem comparecer nos comuniquem.
A data é excelente - 10 de Junho - sexta feira - feriado - dia de Portugal - vem a propósito porque foi da postagem de uma luta que contribuiu para a nossa independencia, onde também os nossos antepassados se banquetearam com xixaros.
Vamos a isto.
Xico Manel

Anónimo disse...

Meu caro A.C., já estou a ver que vamos ser companheiros de petisco, pois também faço questão de estar presente ( assim as hérnias me deixem ).

E acrescento :
Em vez de tâmaras, podíamos comer "maçanicas".
- é assim que se escreve ? - Sempre era uma fruta das palmeiras do Alandroal.

E já agora, para poupar a trabalheira ao Homero, podíamos encarregar o Zé do Alto deste serviço - coisa que, tenho a certeza, ele faria com o maior gosto.

A.S.

PS - Por último , uma provocação amigável para o " abraço ferrugento " : Os de Terena, embora vivam lá naquela terra da Boa Nova « que quanto mais longe , mais bonita », serão sempre bem-vindos, já que fazem parte integrante deste Concelho que, por vezes nos desgosta, mas que nos encanta.
Viva o Concelho do Alandroal !