quarta-feira, 20 de abril de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Portugal visto de fora
Carlos Sezões


Quarta, 20 Abril 2011 08:33
Faço aqui uma pequena partilha pessoal: no âmbito da reunião mundial da minha empresa de consultoria, realizada na semana passada em Lisboa, tive a oportunidade de receber cerca de 150 pessoas vindas de todo o mundo. Para muitos e muitas, foi a primeira visita a Portugal. A curiosidade estava, clara está, aguçada pelas manchetes dos jornais e pelos noticiários que, a nível mundial, colocaram Portugal na primeira linha da comunicação social, não pelas melhores razões: naturalmente, a intervenção do FMI e da União Europeia para evitar a nossa bancarrota.
Primeira surpresa dos nossos ilustres convidados foram os condimentos geográficos, o contexto de acolhimento, no fundo, aquilo que com que fomos abençoados sem termos trabalhado para tal: o nosso magnífico clima (quase 30 graus em Abril), as nossas paisagens naturais, a nossa bela costa marítima, as nossas belas vilas e cidades. Depois, a nossa história o nosso património arquitectónico, o facto que cada rua e cada esquina transpirar cultura e tradição. As igrejas, as praças, os fontanários, os museus, os jardins transmitem identidade, personalidade e bom gosto.
Como não podia deixar de ser, a nossa gastronomia, única no mundo, com uma combinação inteligente e diversificada dos sabores do Mediterrâneo e do Atlântico.
E não menos importante, a nossa hospitalidade enquanto povo, o facto de sabermos receber bem quem nos visita. Existe um “estilo de vida latino” que concilia o sentido do que é urgente e importante com um saber ancestral de aproveitar os bons momentos da vida. O nosso culto de um bom almoço ou de um bom jantar é um exemplo paradigmático.
E não, não foi apenas o Portugal geográfico que foi apreciado. O Portugal humano, talentoso e global também é reconhecido. As pessoas que aqui vieram tinham uma noção dos Descobrimentos e do contributo de Vasco da Gama e outros. Todos também têm a noção do nosso talento actual em áreas como o desporto (Mourinho), nas finanças (Horta Osório, presidente do Lloyd’s Bank) ou na ciência (Damásio, autoridade cimeira nas neurociências).
A pergunta que muitos me fizeram foi, pois, muito simples: com um país como este, como se deixaram afundar desta maneira?
Tentei responder de muitas formas, com vários exemplos, mas, numa das conversas sintetizei todas as reflexões apenas num argumento: falta de força cívica e de bom senso na governação. Como? Passo a explicar. Os governos e os políticos não são uma casta à parte, gerada de forma espontânea. Emergem da sociedade, com os respectivos vícios e virtudes. Numa sociedade mais transparente, escrutinadora dos resultados, valorizadora do mérito e participativa, as decisões (ou, muitas vezes, as omissões) das últimas duas décadas não teriam sido possíveis. Haveriam alertas suficientemente credíveis e projectos alternativos e mobilizadores para mudarmos de rumo, enquanto era tempo. Mas ficámos confortáveis à sombra do euro, dos subsídios e do nosso generoso Estado, pensando que não nos devíamos incomodar. Foi todo um modelo de sociedade que falhou, não apenas um determinado governo ou primeiro-ministro.
Enfim, recebi de todos os meus convidados votos de recuperação o mais rapidamente e de forma menos dolorosa possível. E a vontade genuína de voltarem daqui a uns anos, talvez na esperança que tenhamos ganho algum juízo para tratarmos bem deste pequeno paraíso que herdámos num canto da Europa.
Carlos Sezões

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