terça-feira, 19 de abril de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

 O Encanto do 25 de Abril
Claúdia Sousa Pereira

Terça, 19 Abril 2011 09:48
As comemorações do Dia da Liberdade em Portugal já foram alvo de alguma inquietação quando há uns anos atrás, em 2004, se propunha festejar a data com o slogan da Evolução em vez da mais literal referência à Revolução. O dedo era aí apontado à direita, estavam o PSD e o CDS no governo. Recordo o pequeno texto humorístico (e porque o humor, inteligente, é sempre um bom contributo para levarmos as coisas a sério e revelam normalmente uma distanciação saudável do objecto de humor), o comentário que Ricardo Araújo Pereira publicou no blog dos Gato Fedorento e que dizia: «Não me surpreenderei se a revolução for perdendo letras todos os anos. Este ano, caiu o “r” (ou, para o ministro Morais Sarmento, mentor da ideia, o “g”). Ficou “evolução”, porque a palavra “revolução” maça a direita. Mas “evolução” também não me parece consensual. Os católicos criacionistas, por exemplo, nunca foram à bola com a evolução. Para eles, o 25 de Abril foi certamente criado por Deus. Mais: eles levam a mal que se lhes diga que as coisas são produto de um processo evolutivo. Já com aquela história dos macacos ficaram muito indispostos. Mais vale tirar o “e”. Para o ano, será: “Abril é volução”. É um bocado estranho, mas faz tanto sentido como o slogan deste ano. (…) E Outubro será, ao que tudo indica, implantação da Epública.»
Passados sete anos assistimos a Otelo Saraiva de Carvalho a afirmar: ”Se soubesse como o país ia ficar, no estado em que está, não fazia a Revolução”. Parece-me grave esta espécie de negação da História, ainda que feita em discurso na primeira pessoa por um dos que ajudaram a fazer a Revolução e é, nacional e internacionalmente, um símbolo desse momento em que à Democracia e a Portugal é dada uma oportunidade de modo de vida.
Este desabafo de Otelo vem novamente remeter o assunto para um tema tão caro aos Portugueses: o da culpa. E neste caso a culpa de um desencanto que, a avaliar pelo estado das coisas, parece resultar de um encantamento que tem durado estes últimos 37 anos. Ao mesmo tempo que acabo por perceber Otelo, quase infligindo-se a culpa, não posso deixar de lhe apontar o dedo pois, mais do que a desilusão, me parece ser o medo que o faz falar. O medo de ver determinadas conquistas de Abril em perigo, como o acesso à Saúde e à Educação para todos. Parece-me que esta atitude derrotista de Otelo, e ainda que para os que só há coisa de uma década começaram a poder exercer o direito de voto ele não seja uma figura que se constitua como líder de opinião, este desabafo não serve a Democracia e é tão penalizador como a abstenção nos momentos eleitorais. Por outro lado, também me parece que não perderia Otelo o seu carisma ao tomar partido, já que da extrema esquerda à extrema direita, se percebe bem qual a opção a tomar para não deixar interromper-se a Democracia, nem que seja por quatro anos, nem deixar que se repitam os erros que nos trouxeram até aqui e que, aqui talvez Otelo se culpabilize com razão, durante anos perduraram à sombra de um extremismo que já não tem lugar na contemporaneidade. A desilusão de Otelo parece-me tão grave como o enquistamento de quem não deixou ainda os tempos do PREC e vive neste mundo e neste tempo amarrado a dogmas disfarçados de ideologias.
Custa-me ter falado de Otelo aos meus filhos e ouvi-lo agora dizer isto, mas também sei que posso sempre contar-lhes esse outro episódio desses mesmos tempos do Abril quente. Em visita à Suécia num encontro com Olof Palme, esse líder europeu que integrava através do seu partido a Internacional Socialista, que sempre defendeu a ideia de conciliar uma economia de mercado com um forte estado social e que enquanto governou a Suécia o país gozou de uma forte economia e dos níveis de assistência social mais altos no mundo, Otelo Saraiva de Carvalho terá dito a Olof Palme: «Em Portugal, queremos acabar com os ricos», ao que Palme terá respondido «Na Suécia, queremos acabar com os pobres».
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira

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