segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS DO PASSADO

Se há “coisa” que o meu Pai gosta quando o visito é de dar uma “voltinha” tomando a estrada de Terena, ir ver a Barragem, passar pela Boa Nova, ver de longe a Barranca, e terminar a “via sacra” passando pelo Rosário, sua terra natal. E eu gosto, porque revejo locais que muito me disseram e sempre vou sabendo que neste ou naquele local, neste ou noutro Monte, que por vezes ele já não reconhece, se passou “isto ou aquilo”.

Meu Pai tem 90 anos ( bem conservados, felizmente).
Há uns anos atrás, era também motivo de grande regozijo passar pela vinha da Pipeira, empreendimento ao qual deu muito do seu trabalho, e que chegou a ser motivo de reportagem em órgãos de comunicação.
A “via sacra” continua a repetir-se, mas presentemente não posso, quando por ali passo, deixar de notar no meu Pai um sentimento de profunda tristeza, digo até de comoção, de “nó na garganta” quando lhe é dado ver o estado de degradação, de abandono, de uma vinha que outrora era motivo de admiração de todos os que por ali passavam.
= Considerem esta introdução, como um motivo para o que a seguir vou escrever sobre a PIPEIRA=

A PIPEIRA

Talvez ainda em idade escolar percorri a Pipeira pela primeira vez.
Meu Pai levava-me como mochileiro nas grandes caçadas que se faziam por aqueles terrenos. A reunião era no Moinho de Vento. Ali se concentravam os caçadores e se delineava o plano para o dia. A partir daí comecei a conhecer os momentos felizes do abate de uma peça de caça, a descoberta de frutos silvestres, a dureza de bater o mato, a alegria de achar uma “peça” perdida, o sentimento de liberdade que só o campo nos proporciona.
O almoço, era no final da Pipeira, mais propriamente na fonte da Ameixeira, onde o António José do Estreito, e a sua burra já esperavam para trazer p´rá Vila as peças abatidas de manhã.
O regresso era pelo lado de lá da estrada do Rosário, “batendo” o Cabril, a Ameixeira, as Parreiras…
A Pipeira era grande: Foi lá…no local da moribunda vinha, que o Major João José Galhardas, depois de dar duas ou três voltas de reconhecimento sobrevoando os céus do Alandroal , nos fazia correr para o local onde aterrava a avioneta que todos nós podíamos contemplar de perto.
A Pipeira tinha um monte – foi habitado e lá se albergaram os técnicos que fizeram dali o “Campo de Experiências”.
Foi lá que muitas vezes depois de abandonado me serviu de local para muitos almoços no meio de grandes caçadas.
A Pipeira foi motivo de revolta e baixos assinados, quando a quiseram colocar como reserva do Estado.
A Pipeira foi cobiça de todos por altura do PREC. Lembro-me perfeitamente de, colocado atrás do balcão dos CTT, ver correr o Bento rua acima, para chegar primeiro e pedir uma chamada para um Organismo sedeado em Évora (cujo nome não me lembro) a dizer que uma Comissão de Trabalhadores, tinha ocupado a Pipeira.

Pois bem: E é aqui que eu quero chegar:
E, notem bem: fui sempre contra as ocupações “selvagens”, não vi nunca grande futuro na R.A. e muito menos quando me apercebi que dela se estavam a aproveitar certos “espertinhos”…. Mas ao ver agora o estado em que se encontra a “VINHA DA PIPEIRA”… não sei …não.

Chico Manuel

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Chico Manuel,

Muito gozo me deu ler a tua dissertação sobre a Pipeira, tendo como introdução a “voltinha” que dás com o teu Pai (já com 90) a esses sítios que também nos são familiares – barragem do Lucefecit, Ermida de nossa Senhora da Boa Nova, Rosário…, e por aí adiante.
Além de me recordares as aterragens espectaculares do meu primo João José no campo de experiências, o teu relato sobre caçadas transportou-me muitos anos atrás…, a um episódio de caça que aconteceu precisamente na herdade da Pipeira.

Esse Inverno ia muito chuvoso…, os regatos pareciam ribeiros e os ribeiros pareciam rios.
Num domingo a chuva estava pegada, a caçada fora combinada para a Pipeira, junto à ribeira de que não recordo o nome (alguém há-de lembrá-lo). Toda a linha se colocou na margem direita, a começar de jusante para montante, excepto eu a quem foi atribuída a tarefa de dar boa conta de alguma caça que se levantasse na margem esquerda. O objectivo principal era o coelho, pois com a precipitação e as enchentes do curso de água, andavam muitos arredio, fora das tocas.
Adiantei-me um pouco…, deixando de ver os meus companheiros devido a uma dobra do terreno mais pronunciada…, atrás ouvi o mestre José da Riça (infelizmente falecido) ralhar com o seu cão Nero que se pelava por correr bem à frente do dono para espantar a caça, apesar de correctivos frequentes lhe caírem no lombo.
Postado na margem esquerda da ribeira, junto a umas silvas densas, vi um coelho aproximar-se a alta velocidade mas na outra margem. Espingarda à cara, saem dois tiros e o dito, depois de várias cambalhotas, fica perto das silvas, vivaço, pois só lhe acertara numa pata traseira. Ei-lo que se mexe e começa a arrastar-se no sentido do esconderijo. Evito, e bem, dar mais tiros, não fosse um companheiro aparecer subitamente.
A chuva contínua formava uma cortina, o que me obrigara a equipar com fato de água e botas de borracha. Pouso a arma e junto à margem meço a altura da água, isto é, a fundura da ribeira. «É pouco funda…, talvez não passe de meia bota…, uma “ribeirazeca” que em tempo mais seco não molha sapatos» - E eis que decidido a recolher o troféu, dou um passo à confiança ficando imergido em água até ao pescoço. Só mais uns centímetros e era uma vez… Alguém gritou a seguir: há pato dentro de água!

Chico, perdoa-me se deres conta de algum exagero neste contado…, tu sabes que não há caçador que se preze que não as pregue… (em tempos que já lá vão fui caçador).

PS: quanto ao “Organismo sediado em Évora (cujo nome não me lembro)” deixa-me avivar-te a memória – PCP… (vai lá vai… até a barraca abana…)!

Um afectuoso abraço alandroalense do
AC

Anónimo disse...

Em relação a esses tempos far-lhe ei chegar um documento relativo á remunerãção do meu pai e o quanto alguem que muito tinha lhe ficou a dever, para que se possa perceber os sacrificios a que foram sujeitos homens como o meu e o seu pai nesses tempos(porque seriam mais ou menos da mesma idade e ainda porque ambos foram funciona´rios nessa dita herdade)
Al

Anónimo disse...

Exmo sr., o meu nome é Paulo Lima, sou antropólogo, e li como muita atenção o seu post de 2010. Estou a trabalhar sobre a UCP que se formou nessa herdade. Seria possível conversarmos? Cordialmente