É VERDADE QUE DOM
PEDRO I EMPURROU LEOPOLDINA ESCADA ABAIXO?
Uma lenda popular conta que a
imperatriz estava grávida quando um aborto — fruto da violência do monarca —
teria ocorrido. Mas, não foi exatamente isso que aconteceu.
A imperatriz
Leopoldina - Wikimedia Commons
Dom Pedro I abertamente traía Dona Leopoldina com Domitila de
Castro. Teve filhos com a amante e assumiu-os publicamente. A imperatriz, por
sua vez, queixava-se contra o imperador em cartas que redigia à irmã, Maria
Luiza da Áustria. Numa delas, diz até
que o marido tinha um "caráter extremamente exaltado".
Uma lenda popular diz também que Leopoldina teria sido pontapeada pelo monarca, ainda grávida, sendo empurrada escada abaixo. Há quem
diga ainda que a morte da austríaca foi resultado dessa agressão de Dom Pedro
I. Mas, será que isso realmente ocorreu?
Valdirene Ambiel com a Imperatriz Leopoldina / Crédito: Prof. Dr. Luiz
Roberto Fontes
A resposta da
cripta
A explicação para isso estava em São Paulo, na Cripta
Imperial do Ipiranga, onde jazem os restos mortais da imperatriz. A
pesquisadora Valdirene Ambiel, em parceria com vários especialistas e
instituições, foi quem estudou os despojos de Leopoldina, assim como os de Dom
Pedro I, e a segunda esposa dele, Dona Amélia.
Entre muitas revelações surpreendentes, a pesquisa
mostrou que Leopoldina não foi empurrada da escada. Nem tampouco morreu do
resultado desse suposto episódio de brutalidade. Na realidade, o óbito
dela foi causado pela evolução de um quadro infeccioso: não havia indício de
fratura ou "trauma muito violento".
Curiosamente, o estudo comenta também que um
procedimento obstétrico realizado pelo Circurgião-Mor do Império pode ter
piorado a saúde da soberana, levando à uma possível infecção uterina ou
puerperal. Isso porque, na época, a higiene na obstetrícia ainda não havia sido
estabelecida ou transformada pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis — aquele que
defendia o hábito de lavar as mãos, mas acabou sendo perseguido e internado num
manicômio.
Pintura oficial da imperatriz Crédito: Wikimedia Commons/ Foto de Valter Diogo
Muniz
A análise
Como fruto da colaboração do médico legista Luiz
Roberto Fontes, a pesquisa incluiu o estudo de boletins médicos dos Arquivos do
Museu Imperial, em Petrópolis; como também um artigo do médico Dr. Odorino
Breda Filho, de 1972, da revista do Instituto Histórico Geográfico de São
Paulo.
Filho, por sua vez, apurou que a imperatriz sofria de
"dores de cadeiras" e "evacuações mucosa-sanguinea pela via
anterior". Ou seja, podemos dizer que Leopoldina sofreu bastante nos seus
últimos momentos. Tais sintomas eram os de um quadro de ameaça de aborto. Esse
que, de fato ocorreu — porém de causas espontâneas.
Incoerência em
datas
Até porque as datas não batem para que o incidente
fosse fruto de violência de Dom Pedro I. Segundo Ambiel, o aborto ocorreu em 2
de dezembro de 1826; alguns dias antes, porém, o monarca havia saído do Rio de
Janeiro, com destino a Cisplatina, no Uruguai, em 23 de novembro de 1826. Ou
seja, a perda do bebê ocorreu na ausência de Dom Pedro.
Além disso, Leopoldina estava no terceiro mês de gravidez.
Nesse caso, segundo a pesquisa, se um empurrão tivesse realmente causado a
perda do bebé, o golpe teria que ter sido aplicado com uma força muito
violenta, que resultaria em trauma e até em hemorragia. Então, a imperatriz
podia teria morrido até numa questão de horas — o que de facto não
aconteceu.
Desmistificando ainda mais a lenda do empurrão, em
entrevista à Aventuras na História, a arqueóloga Valdirene Ambiel explicou que,
no caso de agressão, a morte da criança também teria que ter ocorrido antes.
"Se houvesse um acto de violência praticado por D. Pedro, o óbito do feto
seria anterior ao aborto", explicou.
Entretanto, ela abre um porém. O que foi estudado foi
o episódio do empurrão: portanto, isso não descarta a possibilidade da dama ter
sido maltratada pelo cônjuge noutros
acontecimentos. "Como sempre falo, não posso afirmar que D. Pedro nunca
praticou violência física contra a esposa, mas podemos dizer que esta violência
não causou a morte de D. Leopoldina", ponderou a arqueóloga.
VANESSA
CENTAMORI