sexta-feira, 4 de setembro de 2020

VIOLÊNCIA DOMESTICA NA MONARQUIA?

                 É  VERDADE  QUE  DOM  PEDRO I  EMPURROU  LEOPOLDINA  ESCADA  ABAIXO?
Uma lenda popular conta que a imperatriz estava grávida quando um aborto — fruto da violência do monarca — teria ocorrido. Mas, não foi exatamente isso que aconteceu.
A imperatriz Leopoldina - Wikimedia Commons
Dom Pedro I abertamente traía Dona Leopoldina com Domitila de Castro. Teve filhos com a amante e assumiu-os publicamente. A imperatriz, por sua vez, queixava-se contra o imperador em cartas que redigia à irmã, Maria Luiza da Áustria.  Numa delas, diz até que o marido tinha um "caráter extremamente exaltado". 
Uma lenda popular diz também que Leopoldina teria sido pontapeada pelo monarca, ainda grávida, sendo empurrada escada abaixo. Há quem diga ainda que a morte da austríaca foi resultado dessa agressão de Dom Pedro I. Mas, será que isso realmente ocorreu?
Valdirene Ambiel com a Imperatriz Leopoldina / Crédito: Prof. Dr. Luiz Roberto Fontes
 A resposta da cripta 
A explicação para isso estava em São Paulo, na Cripta Imperial do Ipiranga, onde jazem os restos mortais da imperatriz. A pesquisadora Valdirene Ambiel, em parceria com vários especialistas e instituições, foi quem estudou os despojos de Leopoldina, assim como os de Dom Pedro I, e a segunda esposa dele, Dona Amélia.
Entre muitas revelações surpreendentes, a pesquisa mostrou que Leopoldina não foi empurrada da escada. Nem tampouco morreu do resultado desse suposto episódio de brutalidade. Na realidade, o óbito dela foi causado pela evolução de um quadro infeccioso: não havia indício de fratura ou "trauma muito violento". 
Curiosamente, o estudo comenta também que um procedimento obstétrico realizado pelo Circurgião-Mor do Império pode ter piorado a saúde da soberana, levando à uma possível infecção uterina ou puerperal. Isso porque, na época, a higiene na obstetrícia ainda não havia sido estabelecida ou transformada pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis — aquele que defendia o hábito de lavar as mãos, mas acabou sendo perseguido e internado num manicômio. 
Pintura oficial da imperatriz  Crédito: Wikimedia Commons/ Foto de Valter Diogo Muniz
 A análise
Como fruto da colaboração do médico legista Luiz Roberto Fontes, a pesquisa incluiu o estudo de boletins médicos dos Arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis; como também um artigo do médico Dr. Odorino Breda Filho, de 1972, da revista do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo.
Filho, por sua vez, apurou que a imperatriz sofria de "dores de cadeiras" e "evacuações mucosa-sanguinea pela via anterior". Ou seja, podemos dizer que Leopoldina sofreu bastante nos seus últimos momentos. Tais sintomas eram os de um quadro de ameaça de aborto. Esse que, de fato ocorreu — porém de causas espontâneas. 
Incoerência em datas 
Até porque as datas não batem para que o incidente fosse fruto de violência de Dom Pedro I. Segundo Ambiel, o aborto ocorreu em 2 de dezembro de 1826; alguns dias antes, porém, o monarca havia saído do Rio de Janeiro, com destino a Cisplatina, no Uruguai, em 23 de novembro de 1826. Ou seja, a perda do bebê ocorreu na ausência de Dom Pedro. 
Além disso, Leopoldina estava no terceiro mês de gravidez. Nesse caso, segundo a pesquisa, se um empurrão tivesse realmente causado a perda do bebé, o golpe teria que ter sido aplicado com uma força muito violenta, que resultaria em trauma e até em hemorragia. Então, a imperatriz  podia teria morrido até numa questão de horas — o que de facto não aconteceu. 
Desmistificando ainda mais a lenda do empurrão, em entrevista à Aventuras na História, a arqueóloga Valdirene Ambiel explicou que, no caso de agressão, a morte da criança também teria que ter ocorrido antes. "Se houvesse um acto de violência praticado por D. Pedro, o óbito do feto seria anterior ao aborto", explicou. 
Entretanto, ela abre um porém. O que foi estudado foi o episódio do empurrão: portanto, isso não descarta a possibilidade da dama ter sido maltratada pelo cônjuge  noutros acontecimentos. "Como sempre falo, não posso afirmar que D. Pedro nunca praticou violência física contra a esposa, mas podemos dizer que esta violência não causou a morte de D. Leopoldina", ponderou a arqueóloga.
VANESSA CENTAMORI 

Sem comentários: