segunda-feira, 24 de agosto de 2020

TIAGO SALGUEIRO IN TRIBUNA ALENTEJO


                Este ano não há Capuchos!
Todos os anos, ao aproximar-se o fim do mês de Agosto, a alma dos Calipolenses enchem-se de júbilo e de ansiedade. As tão esperadas Festas dos Capuchos estão a chegar e Vila Viçosa aguarda, desejosa e em êxtase, o avizinhar desses dias memoráveis do início de Setembro, onde o sagrado e o profano se unem, de forma indelével.
São o momento mais aguardado do ano, expoente máximo da partilha popular e do reencontro de gentes. Para uns, significam dias de trabalho árduo, com a montagem das barraquinhas no recinto, por entre o olhar histórico, distante e desconfiado dos frades capuchinhos, espiritualmente postos em sossego no seu antigo convento.
Desde 1863 que o ritual se repete. A festa de Vila Viçosa, sob a invocação de Nossa Senhora da Piedade, remete para os ciclos ancestrais e para o calendário agrícola. Noutros tempos, lá vinham os carros de canudo, ou churriões, com famílias inteiras, que, desde as redondezas, se deslocavam até ao antigo solar dos Duques de Bragança.
Na actualidade, a abertura do primeiro barril de cerveja, logo na quinta-feira que antecede as festas, simboliza a início das hostilidades. São dias de fé, por um lado e de excessos, por outro, próprios da juventude que aguarda todo o ano a chegada deste fim-de-semana. Quem dera que o tempo parasse!
Sentimos um arrepio na espinha ao recordar outras festas, noutros anos que parecem já tão distantes. Vêm à memória os primeiros copos e os primeiros beijos, fruto dos olhares cúmplices trocados no meio do arraial, com uma qualquer banda sonora das “Azúcar Moreno” ou do Quim Barreiros.  Todos temos histórias para contar. Cada um de nós tem os seus próprios “Capuchos”, num qualquer cantinho do coração!
As diretas e noites mal dormidas eram seguidas, por entre o amanhecer no recinto e as largadas dos touros a meio da manhã. As cervejas e os “traçadinhos” eram a companhia constante nessas horas, em que os fígados passavam um mau bocado.
Na antiga Praça D. Amélia, hoje a majestosa Praça da República, a azáfama já é grande por esta altura, com a colocação das tábuas para a largada dos touros, que trazem à terra milhares de aficionados e forasteiros. Talvez sejam o expoente máximo da festa. Esperamos que tudo fique bem montado, para que os bravos animais não fujam, como já aconteceu. Também aqui se preparam ao pormenor as tabancas para o peixe do rio frito e para as bifanas, que nesses dias perfumam o ar e nos abrem o apetite.
Os Calipolenses gostam de “dar fé” sobre os preparativos e percorrem os lugares da festa, para se inteirar de tudo. Nada pode ser deixado ao acaso, pois é o orgulho da terra que está em causa. Debaixo das laranjeiras, dão-se palpites e opiniões.
É tempo de arrumar a “trouxa” das férias e preparar o melhor traje para os dias que se avizinham. É inevitável a aquisição de alguma nova peça de roupa, embora subsista sempre a dúvida, porque não se sabe que tempo vai fazer.
Por estes dias, parece que já não é bem verão. O céu já apresenta algumas nuvens e o ar está mais fresco. O verão caminha a passos largos para o fim. O maior desejo é que não chova, para podermos viver esses dias com toda a intensidade, sem sobressaltos ou imprevistos meteorológicos. Porém, é quase inevitável que caia alguma trovoada, já a fazer anunciar o Outono está ao virar da esquina.
E eis que chega o segundo fim-de-semana de Setembro! Contam-se os minutos para o lançamento do primeiro foguete! O “nervoso miudinho” apodera-se dos “libatos”!
Depois dos jantares de grupo dos que nasceram em 1983 ou 1984, agendados há meses, em que cada um enverga a sua t’shirt colorida a celebrar o momento, está na hora da partida para o epicentro, onde tudo acontece, no secular Largo dos Capuchos. É inevitável que se leve já o “grão na asa”. Eu, pessoalmente, para evitar comentários trocistas, atravessava o velho e escuro castelo de D. Dinis, de modo a que ninguém se apercebesse do meu estado lastimável. A entrada no pórtico iluminado da festa era feita em grande, com pompa e circunstância.
De facto, a chegada ao largo era sempre revestida de grande emoção. Por entre a multidão, lá se encontram os amigos que não se deixam ver há décadas e os abraços fraternais repetem-se. O adro do antigo Convento dos Capuchos torna-se pequeno por estes dias, tal a afluência de gente vinda de todo o país. A fama das festas neste recanto do Alentejo chegou bem longe!
E há tradições que se mantêm e repetem, de ano para ano. Se o fogo-de-artifício não tem mais de meia hora, o coro de protestos e de assobios toma conta do povo. Se o céu iluminado e colorido ultrapassa esse período temporal e mágico dos trinta minutos, todos ficam satisfeitos e as palmas ecoam pelo velho largo do Convento.
Este ano, tudo será diferente. Um maldito vírus adiou o nosso sonho de viver os Capuchos em 2020, num ano em que as expectativas eram elevadas. Será uma cicatriz que ficará marcada para sempre. Não podemos ir jantar aos “Escuteiros”, provar o licor do Padre Luís, nem ouvir a Sociedade Filarmónica União Calipolense no velho coreto. Fico triste por não ser possível comprar o molho de peúgas nas tendas dos comerciantes indianos, que seriam muito úteis e essenciais para o resto do ano.
As Festas dos Capuchos ficaram em suspenso, até ao ano que vem, se Deus quiser e se medicina nos der uma esperança!
Por último, lanço aqui um desafio a todos os que viveram as Festas dos Capuchos, num determinado momento da vida: coloquem uma foto nas redes sociais a evocar as histórias “capuchinhas” de outros tempos, para que esta data não seja esquecida!


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