terça-feira, 18 de agosto de 2020

HISTÓRIAS DA RAIA - TERCEIRA

                                                      “O Tio Santiago”
Muito namoradeiro, irmão mais velho do João António da narrativa anterior.
Nunca se casou.
Mas dizem que deixou filhos entre Santiago Maior e Santiago Rio de Moinhos.
Nunca cheguei a apurar a veracidade desses ditos.
Fosse como fosse, foi esse feitio namoradeiro que lhe ditou a morte.
Lá pelo fim dos anos vinte, apaixonou-se por uma espanhola de Cheles, moça muito bonita, muito charmosa e atrevida de modos. Isto fazendo fé nos relatos que me chegaram.
Mas… filha de um figurão da política regional. Uma alta personalidade da região extremeña, ribeirinha do rio Guadiana.
O romance terá sido muito breve. Muito breve, mas intenso.
Terminou quando a moça já estava de esperanças.
O tio Santiago, como era seu hábito, passou à frente e à namorada seguinte.
E foi assim que aquele portuguesinho descarado, de viola a tiracolo, entretendo a mocidade com “Saias” à moda da região, sempre na mira da Guarda Fiscal e dos Carabineiros, que estavam mortinhos por lhe deitar a mão, e das raparigas bonitas que admiravam aquela desenvoltura, galhardia e ar canalha se lixou.
Apareceu morto no adro da Igreja de Nossa Senhora da Boa-Nova.
Ao lado do corpo estava uma mochila, estilo saco cheio, com contrabando vindo de Espanha.
Será assim fácil deduzir que não o mataram para o roubar.
Isto também deixa de lado a hipótese de uma acção das autoridades fronteiriças.
Continuando a fazer fé no que me contaram, parece que aquilo foi um ajuste de contas.
Terá sido – disseram os amigos do tio Santiago – um grupo de meliantes espanhóis, contratado pelo pai da moça de Cheles, para assim lavar a honra de família que o português manchara.
E parece que o abate teria que ser em território português a fim de evitar especulações e deixar pistas que pudessem conduzir as autoridades aos culpados.
Verdade? Mentira? Estórias às quais se acrescenta um ponto?
Vá lá a gente saber agora quando já passaram sessenta anos sobre o acontecido!
O que do tio Santiago hoje resta são velhas e amarelecidas fotografias que mostram um homem de estatura mediana, bigodes caídos, com ar de moina e chapéu de lado.

Rufino Casablanca, Terena – Monte do Meio, 12 de Dezembro de 1990

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