terça-feira, 11 de agosto de 2020

HISTÓRIAS DA RAIA - (SEGUNDA)

                                       “A Tia Carmela”
Aconteceu uma vez no Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova, lá pelos idos do princípio do século
 Era a mulher mais estranha, mais enigmática e mais formosa da família.
Casada com o tio João António, sobre ela corriam as histórias mais estranhas e desencontradas que se possam imaginar. Dizia-se que por amor se fizera portuguesa.
Dizia-se também que o João António, perante a negativa do pai dela em autorizar que o casamento fosse avante, a tinha “roubado” numa muito rocambolesca e romântica noite de primavera.
Noite que meteu tiros e tudo.
A ser verdade – e sabemos que foi mesmo – essa dita noite foi muito mais dura e violenta do que romântica.
Já depois de viver em Portugal, já depois de casada – o velho pai dela, don Miguel Sambraz, acabara por ceder e lá os casou, exactamente na igreja acastelada de Nossa Senhora da Boa-Nova, de quem era muito devoto.
Dizia-se que ajudara muitos refugiados da guerra civil espanhola que durante aquele sangrento período, em desespero, lhe tinham vindo bater à porta buscando auxílio.
Mulher de vasta cultura, também se dizia que tinha sido educada num dos melhores colégios religiosos da Extremadura, talhada para ser uma elegante “señorita” da alta sociedade de Badajoz ou até mesmo de Madrid.
O pai, grande agrário da Extremadura, também proprietário de vastas propriedades em Portugal, ali para os lados da Mina do Bugalho, era presença habitual na festa-romaria dos Prazeres em honra da Senhora da Boa-Nova, pela qual, como já se disse, tinha uma devoção sem limites.
Ora acontece que aí por volta de 1933, ainda antes da guerra civil espanhola, naquele gigantesco piquenique que se espalhava em redor do Santuário, a azinheira que deu sombra à família de don Miguel Sambraz ficava mesmo ao lado da azinheira que abrigava a família dos Rodriguez Potra, onde sobressaía o porte vaidoso e altaneiro do João António.
Primeiro, olharam-se de azinheira para azinheira, medindo-se de longe: “Quem será aquele peralta?” interrogou-se ela – “De quem serão aqueles olhos violeta?” – perguntou-se ele.
E foi o início de tudo. No fim da tarde, lá pelo lusco-fusco, já passeavam lado a lado, no caminho dos namorados, entre a Ribeira do Lucifecit e o Cruzeiro – a filha do agrário e o contrabandista.      

Rufino Casablanca
Terena – Monte do Meio – 1990
Próxima semana nova história da Raia: O Tio Santiago

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