Igreja Matriz
Fachada da Igreja Matriz e
Monumento a S. João de Deus
Dispõe-se em traça rectangular, alegre e de alto pé direito,
composta por seis capelas laterais (três por banda), absolutamente iguais nas
proporções e coevas entre si, coro e abóbada de meio canhão. Esta conserva,
afortunadamente, depois do restauro dirigido pela Direcção-Geral dos Edifícios
e Monumentos Nacionais, em 1950, sob assistência dos artistas António Costa e
José Basaliza, que alijou de uma falsa guarnição rocaille, de estuques
policromos, o primitivo conjunto pictórico, mural, laivado de oiro, do tipo de
brutescos, laçaria, rótulos e pendurados, mascarões, aves e ofícios – datado,
em duas filacteras, de 1762. No eixo, grande medalhão ovóide, metido em lambrequim
barroco, representando o Padroeiro com coro de anjos celestiais. Empreitada
anónima, que ultrapassou uma década, cronologicamente assinalada desde 1662 a
1679 e que seria realizada com intermitências por artistas de procedência vária
em colaboração com técnicos montemorenses, abrange todos os alçados internos do
edifício, cruzeiro e capela-mor, estes actualmente perdidos por caiações
oitocentistas.
O tecto do subcoro, de arco rebaixado, encontra-se, do mesmo modo, ornamentado
com pinturas deste ciclo, cronografadas de 1679: dominam os elementos
naturalistas, albarradas, cornucópias, aves, anjos e símios de simples intenção
quimérica. Ao meio, apainelado rectangular, de cor entenebrecida e de sugestão
panegírica, do nascimento de S. João de Deus. Caixa
de esmolas, de tábua, antiga, pintada no cachaço com cena iconográfica, evoca o
patriarca. No rodapé, lambris de azulejaria de tapete, policroma, seiscentista,
que abraça toda a nave, aparentemente coetânea;
alguns escabelos do cadeiral de madeira almofadada (com outros escanos
arrumados junto do arco cruzeiro e no coro alto), são provenientes, talvez, do
coro da destruída matriz de N.ª S.ª do Bispo. Bem concebidas são as duas pias
de água benta, esculpidas em mármore regional, de secção descoide e envieiradas
(séc. XVII).
As
capelas laterais são todas abertas em arcos redondos, moldurados (alguns
compostos pelos escudetes simbólicos dos irmãos hospitaleiros – charitas - ) e
pintados a fresco, em domínio de oiro, dos assinalados elementos barrocos de
ornato e de brutescos.
A Pia Baptismal
A pia do baptismo, venerável
histórica e sentimentalmente por nela, segundo a tradição, ter recebido a água
da crisma, em data imprecisa de Março de 1495, um dos mais humildes, generosos
e universais santos do cristianismo – S. João de Deus -, veio deslocada, em
1843, da capela privativa da Matriz do Castelo, com licença metropolitana,
assim como a grade que a fechava e esteve primorosamente pintada e dourada a
expensas do povo montemorense. Aquela peça, lavrada em mármore branco, do
estilo gótico, quatrocentista, compõe-se de duas partes de secção octogonal: a
pia propriamente dita e a base, rude e atarracada, ambas valorizadas no séc. XVII,
por recobrimento de pintura a óleo, floral, de que subsistem vestígios. A
cancela, de ferro forjado, é exemplar curioso da arte barroca, aparentemente de
alvores de seiscentos e do período filipino, composta por balaústres torneados,
de andares, intervalados de barras serpentiformes e de volutas com enrolamento,
presos a guarnição frontal, esplendente de ornatos e centrada por disco da
estrela de oito pontas. Acrotérios fixos, de fogaréus muito arrendados. Os
extremos, de madeira pintada, são modernos e foram acrescentados para
utilização no local.
A pia onde S. João de Deus foi
baptizado
Cruzeiro
Disposto em
planta quadrangular e apoiado em arcadas cegas, redondas, esteve completamente
recoberto de pinturas a fresco, coetâneas do corpo da nave e do mesmo estilo
concepcional, de brutescos barrocos, do qual conjunto subsistem, apenas, as
decorações das molduras dos arcos e da cúpula, esta lançada m linhas
hemisféricas nascentes de trompas lisas. A decoração, muito retocada, é
distribuída em apainelados geometrizantes e no soco iluminado em perspectiva
por balaústres clássicos. Baixo rodapé de azulejos coloridos de maçaroca de
milho, abraça os arranques. No alçado do sul, de época tardia da arte rococó,
levanta-se discreto altar dedicado primitivamente a Santo António e hoje a S.
José (escultura moderna), feito de talha dourada e marmoreada, com meias
pilastras, guarnições degrinaldas de frutos, vieiras e lambrequins de fantasia,
da transição do reinado de D. José para D. Maria I. Numa arrecadação, guarda-se
a pintura sobre tela, do santo taumaturgo, muito maltratado pelo tempo. Na
parede sobranceira existiu, até 1949, uma curiosa tribuna disposta em galeria,
de entalhe policromado, também do estilo rococó, que o Senado de Montemor havia
ordenado em 1729 para nela assistir á missa a família real de D. João V, quando
da passagem da corte para as solenidades dos duplos matrimónios dos príncipes
herdeiros de Portugal e Espanha, os futuros reis D. José I e D. Mariana Vitória
de Bolonha, e D. Fernando VI e D. Maria Bárbara de Bragança.
No local,
empobrecido, se colocou uma grande pintura sobre tela, de formato rectangular,
bem emoldurada em talha de ornatos polilobados, representando S. João de Deus
acolitado por dois Arcanjos. É quadro de algum merecimento pictórico, datável
de princípios do séc. XVIII.
Capela-Mor
De igual
modo primitivamente ornamentada no gosto mural do seiscentismo, dessa
composição barroca poucos vestígios subsistiram a lamentáveis caiações e a
constantes restauros devidos a infiltrações de águas pluviais. Do mesmo modo,
quando da montagem do actual altar, se perdeu o apainelado cerâmico, policromo,
de padrão naturalista, escapando, somente, o friso do lambril, de desenho de
maçaroca, comum em todo o edifício. Opulenta obra de talha dourada sobre fundo
azul, que preenche na totalidade o vão do presbitério, é um excelente trabalho
de ensambladores desconhecidos (talvez do grupo de mestres eborenses ligados ao
ciclo de João da Mata Botelho ou a Jorge Guerreiro da Costa e Joaquim Monge),
executado no ocaso do estilo rococó, nos primeiros anos do último terço do séc.
XVIII. Antecedido, no arco triunfal, por rico emolduramento concheado, de
palmetas, rosetões e na tabela axial pela romã do fundador, o retábulo, lançado
em linhas muito equilibradas do tipo de baldaquino, agrada plenamente não só
pelos volumes bem distribuídos, como na concepção, desenho e acabamento do
frontão apilastrado, com lambrequins e resplendor centrado pelo Espirito Santo.
Os fustes, esculpidos em capitelação compósita, estão recobertos de elementos
florais, engrinaldados de sanefas e
vieiras planturosas. Em represas ricamente engalanadas e concheadas, expõem-se,
no lado do Evangelho, uma majestosa escultura de S. João de Deus, de madeira
dourada, com características de princípios do séc. XVII e talvez peça dos
fundamentos do convento (1,54 m) e na oposta, o Anjo Custódio S. Rafael,
empunhando em açafate os pães da caridade. Esta imagem, também de lenho
fortemente estofado e muito interessante é, porém, posterior cerca de
uma centúria. Mede, de alt., 1,62 m.
O
camarim, com trono de talha e sete degraus, é terminado por maquineta do estilo
rococó, esculpida com braços de volutas recortadas e emolduramento de
caprichoso efeito ornamental. O forro desta tribuna, reajustado no ano de 1876,
a expensas do devoto António Maria Pereira, recebeu pinturas a fresco tanto nos
alçados como na cobertura arredondada, no gosto barroco. Antiga, mas
restaurada, é a composição fundeira da cimafronte, da exposição do Santíssimo
Sacramento protegido de anjos tenentes. Tudo parece indicar que foi neste
período que se perdeu a restante obra pictórica dos prospectos e do apainelado
cerâmico, do qual se guarda, num desvão, algumas centenas de azulejos de
fabricação lisbonense, seiscentista.
Nas
obras volumosas do edifício, no priorado de fr. Luís da Piedade, entre 1759-9,
do seu pecúlio se ordenou o lageamento do santuário e do cruzeiro, que importou
em 87 660 rs., fazendo o assento de ardósia o oficial de pedraria José
Rodrigues Castelhano. Do mesmo modo mais pagou 6 000 rs. pela execução de duas
sanefas destinadas às portas da capela-mor. Dois móveis de madeira, do estilo
português setecentista, de merecimento artístico, subsistem no presbitério:
Credência, dourada e esculpida, com pernas de balança e pés de garra, da época
de D. João V, e Cadeira de Prelado, lavrada em nogueira e de espaldar, fundo e
costas de sola presos por pregos, brochas e pingentes de metal amarelo: hastes
torneadas e pés discoides. Época de transição D. Pedro II – D. João V.
Sacristia
Espaçosa
sala de planta rectangular, coeva do templo, tem tecto de meio canhão caiado de
branco, e longo paramenteiro de madeira vulgar, já de setecentos, disposto em
oito tramos almofadados e sobrepujado por corpo retabular de pilastras
terminadas em cornijamento ornamental de fogaréus e pináculos envieirados. Este
respaldo foi, de igual modo, subsidiado pelo mesmo reitor nas empreitadas de
1757 e executado pelo mestre marceneiro João Pedro. Importou em 50 400 rs. Em
ediculas envidraçadas expõem-se algumas relíquias de santos, a saber: bustos de
madeira estofada, de Santa Úrsula e
Santa Vitória, e na representação de braços dourados, os mártires S. Lourenço, S. Máximo, S. Vicente e
S. Joaquim (séc. XVII). Numa
dependência da igreja conservam-se, no ano de 1758, mais dois santuários
contendo relíquias inumeráveis de personagens reais ou lendárias do hagiológico
cristão.
Várias pinturas
emolduradas, de óleo sobre tela, tábua, cobre e vidro, dos sécs. XVII-XVIII
(algumas provenientes da cripta do patriarca) e na maioria de anónima execução
popular, decoram as paredes e os cachaços do arcaz. Sua representação: A Virgem
e o Menino Jesus, Santo António (?), Arcanjo S. Rafael, S. Francisco recebendo
os estigmas, Santo Agostinho, e três da iconografia do fundador: O Santo
conduzindo, aos ombros, uma criança enferma, S. João de Deus carregando achas
para o hospital, auxiliado por dois arcanjos e S. João de Deus lavando os pés a
um peregrino. Este ex-voto, provavelmente de factura local, ingénuo e
prejudicado por camadas excessivas de vernizes, parece de intenção
iconográfica, pois no casario desenhado, como fundo da cena, vê-se a arcaria de
tipo manuelino, do Hospital de Santo André, que foi administrado pelos irmãos
da Ordem Religiosa.
No
mesmo recinto existem ainda, dignos de menção, três peças de mármore regional,
branco e preto: pequena pia de água benta, em forma de vieira estilizada
suportada por mão esculpida; mesa de cálices, com tabuleiro romboidal, peanha palmar,
concheada, do estilo rococó, e lavabo crucífero, composto por duas carrancas
antropomórficas, e frontão triangular, ladeado, nos acrotérios, de esferas:
está cronografado de 1646.
Poucas
alfaias de prata, de merecimento artístico possui a sede de freguesia, mas o
núcleo pertencente à Confraria do Santíssimo Sacramento, para a nova Matriz
transferida na década de 1850, é valioso e opulento, embora não conserve já as
três célebres lâmpadas de prata repuxada, da época de D. João V e de desmesurado
tamanho, como outras não havia na região e que a cobiça de Junot anexou em
1808. Do primeiro conjunto anotaram-se as seguintes peças: dois cálices, de
prata dourada, base romboidal e ornatos esculpidos, relevados, na falsa copa,
de intenção floral. São sensivelmente iguais e do estilo D. João V. Medem, de
alt., 27 cm. Píxide, de tipo semelhante na decoração, circular e da mesma
época. C.ª de 1750. Alt. 32 cm.
Relicário de
S. João de Deus
Curiosa
peça de prata dourada, do estilo barroco de transição, assente em base
romboidal de devolutas palmares: resplendor contendo lúnula ovulada, com
fragmento de osso (?). Inscrição de letra romana rebordando a peanha:
PAR.te DO
D.Sto + S.JO.ão DE DS + MONTEMOR +
NOVO + DADA PELO SR. SIMÃO DA S.ª
LEBVR.º
No ano
de 1759, o mestre de carpintaria
João Gonçalves, assentou o estrado do pavimento
da igreja, de tabuado de choupo e de pinho da terra
(alguns chapões vieram de Évora),
havendo o cuidado
de marcar as sepulturas principais com tampos móveis, presos por
argolões. A mesma
disposição se não respeitou
ulteriormente, como se vê pelo recobrimento
integral do chão.
Apenas se identificam as campas epigrafadas do
subcoro, todas de mármore, na sua
maioria tão gastas pela acção do tempo que a leitura das lápidas
se torna impossível.
Dimensões da igreja: nave –
comp. 19,10 x larg. 6,70 m; cruzeiro – larg. 8,30 x comp. 6,95 m; capela-mor –
larg. 6,00 x fundo 3,50 m.
A antiga
Igreja de S. João de Deus, actual Matriz de Montemor-o-Novo e seus anexos,
encontram-se separados do edifício conventual, hoje Biblioteca Municipal
Almeida Faria, após as devidas adaptações funcionais.
Conforme
referido mais acima, em 1950 o Padre António Lavajo Simões mandou fazer
avultadas obras na igreja. Setenta anos depois, iniciaram-se novas obras, desta
vez, sob a responsabilidade do Cónego José Morais.
Augusto Mesquita
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