Abandonando a família e a
medicina, Guevara transformou-se num guerrilheiro e mais tarde tornou-se um dos
maiores símbolos do século 20
Retrato
do revolucionário Che Guevara, colorizado artificialmente - Divulgação/ Klimbim
1. Mochileiro da
América
No início de 1952, antes de iniciar o último período
do curso de medicina, Ernesto Guevara estava insatisfeito. Sentia que
precisava de conhecer melhor as pessoas de quem iria tratar pelo resto da vida.
Ele queria ir além da Argentina e tinha um parceiro nos seus anseios: Alberto
Granado. Era dele a motocicleta que chamavam de La Poderosa (uma Norton de 500
cilindradas), na qual partiram em Janeiro.
A moto só aguentou até ao Chile, onde foi abandonada
sem travões. O dinheiro acabou em março e ele passou a depender de quem lhe
desse comida, boleia e abrigo. Na época, não era um revolucionário. Comportava-se
apenas como um jovem incomodado com a pobreza e as suas desigualdades. Visitou
hospitais na Bolívia e ajudou num leprosário na Amazônia peruana.
2. Golpe e revolução
Quando Che Guevara chegou à
Guatemala, o governo de Jacobo Arbenz tentava mudar o país, implementou a
reforma agrária e garantiu direitos ao trabalho aos operários. O bom
relacionamento do político com a esquerda fez da Guatemala o destino perfeito
para perseguidos políticos de toda a América. Ernesto apreciava o clima
progressista que se vivia naquele momento e aproximou-se dos militantes
socialistas, principalmente do grupo moncadistas.
Uma das imagens mais famosas de Guevara / Crédito: Wikimedia Commons
Todavia, a situação no país aqueceu. Arbenz irritou
latifundiários e grandes empresas, como a United Fruit, e passou a ser
pressionado para renunciar ao cargo. Em junho de 1954, a capital foi
bombardeada pelas Honduras com apoio dos Estados Unidos. Guevara refugiou-se na
embaixada argentina e, em carta enviada à sua mãe, criticou Arbenz e mostrou a sua nascente veia revolucionária.
3. Amizade com Fidel
Fidel Castro chegou ao México em junho de 1995, junto
com o seu irmão Raúl e outros dissidentes cubanos, com o objetivo de organizar
a luta armada em Cuba. Eram conhecidos como moncadistas por terem participado
do ataque ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, em 1953, na tentativa de
derrubar a ditadura de Fulgencio Batista. Fidel permaneceu preso em Havana até
maio de 1954. Foi amnistiado e fugiu.
Guevara conheceu Fidel em
junho de 1955 e, menos de um ano depois, deixou o trabalho em hospitais para
integrar o grupo. Como médico do exército rebelde, participou do treino de
guerrilha no Rancho San Miguel. Como consequência, ficou 57 dias preso. Foi
nesse período que enviou uma carta à sua mãe incorporando o Che – apelido dado
a ele pelos amigos cubanos – à sua assinatura.
4. O grande roubo do
trem
O avanço da guerrilha liderada parecia irrefreável no
final de 1958. Para seguir rumo a Havana, no entanto, era preciso tomar Santa
Clara, o principal entroncamento de transportes da ilha. Com apenas 340 homens
para enfrentar as tropas do exército apoiada por aviões e tanques, a estratégia
de Che era tomar um carregamento de armas que chegaria á cidade em 29 de
dezembro.
Os guerrilheiros sabotaram os trilhos e o trem
descarrilou. “Os homens eram tirados com coquetéis Molotov do trem blindado, que se convertera num verdadeiro forno”, escreveu Che. Os
soldados renderam-se, entregando um arsenal de 600 espinguardas, 1 milhão de
cartuchos, dezenas de metralhadoras, um canhão de 20 milímetros, morteiros e
bazucas. Finalmente, estavam prontos
para Havana.
5. O paredão da morte
No início de 1959, o calor da tomada de Havana e dos
combates que se seguiram não arrefeçara. No meio da incerteza quanto ao triunfo
do movimento socialista em Cuba, discutia-se o que fazer com os prisioneiros
que haviam defendido o governo de Batista, o ditador deposto. Eram militares
acusados de tortura, crimes comuns e execução de rebeldes.
Che não escondeu sua posição sobre o assunto. Para
ele, a revolução só triunfaria se todos fossem julgados e pagassem as penas que
recebessem. Ele defendia a execução dos condenados. E assim foi.
Em La Cabanã – uma antiga fortaleza construída pelos espanhóis no século
18 -, em janeiro de 1959 foram fuziladas dezenas de pessoas no que ficou
conhecido como “El Paredón”. Até 1960, entre 200 e 700 pessoas foram mortas.
Até hoje, cubanos contrários ao regime de Fidel citam o episódio como um
assassínio indiscriminado e culpam Che pelas mortes.
6. Crise dos mísseis
Che era a favor da presença de mísseis soviéticos em
território cubano. De facto, ele participou ativamente do acordo militar com o
governo soviético que, em julho de 1952, instalou armas nucleares em Cuba. Para
ele, a presença dos mísseis protegeria a ilha de uma invasão.
Crédito: Wikimedia Commons
O presidente John Kennedy fez um ultimato aos soviéticos para retirarem
as armas. Caso contrário, ameaçava retaliar. Em outubro, Kruschev concordou em
levar os mísseis de volta. Che e Fidel sentiram-se traídos. Foi o mais próximo
que o mundo chegou de haver uma guerra nuclear.
7. O desaparecimento
de Che
Em 1965, correu a notícia, primeiro em Cuba e depois
na imprensa mundial, que Che estava preso num hospital. Semanas depois, um novo
boato: ele teria vendido segredos militares de Cuba e desertado. As falsas
informações procuravam explicar um facto concreto: Guevara estava desaparecido.
E permaneceria assim durante quase oito meses.
Na verdade, Che havia partido para a missão mais
secreta da Revolução Cubana. Tão confidencial que só 25 anos depois foi
totalmente confirmada por Fidel Castro. Era a participação de Guevara – e do
governo Cubano – na guerrilha na República Democrática do Congo. Lá, Che e
cerca de 70 soldados cubanos juntaram-se ao grupo rebelde local. O objetivo era
reinstituir o regime nacionalista de esquerda de Patrice Lumumba, morto em
janeiro de 1961.
Os cubanos enfrentaram várias dificuldades, não
conseguiram sequer compreender dialetos locais. Quando perderam o apoio da
Tanzânia, os congoleses desistiram da luta.
8. Tio Ramón
“Mamá, acho que esse senhor está apaixonado por mim”,
disse Aliusha a sua mãe Aleida após beijar o homem que conhecia como tio Ramón.
Ao ouvir a menina, então com 5 anos, os olhos do velho encheram-se de lágrimas.
Aliusha era a filha mais velha de Aleida e Ernesto Guevara.
Tio Ramón era Ramón Benítez. E Ramón Benítez era Che
Guevara. O disfarce havia sido produzido pelo governo cubano, que criou
identidades falsas, nos anos de 1965 e 1996, para que pudesse permanecer
incógnito em Cuba – bem como entrar e sair do país – e assim poder planear e
executar o seu plano de fomentar movimentos de guerrilha socialista pela África
e pela América. Ramón era um homem de meia idade, na faixa dos 50 anos. O
disfarce exigiu que Che retirasse boa parte dos cabelos e usasse óculos de aros
grossos e dentes postiços.
Foi um dos momentos mais difíceis de Che em toda a sua
vida. Tudo precisava permanecer em sigilo máximo. O medo de espionagem era
enorme e temia-se que, caso descobrissem que Che sairia de Cuba, ele fosse
perseguido e morto.
José Alberto Gonçalves
1 comentário:
OBS.
Desde os tempos gregos e romanos ou através da existência de todas as
batalhas e de todas as guerras, que se vem percebendo de que nada do que
acontece na História se deve considerar perdido. É o caso de todos os Che
Guevaras. E muitos outros exemplos,o têm sido embora com nomes diferentes!
Importa também salientar que arrancou de mota ( e de jovem médico) para
chegar ao poder. Consegui-o, manteve-o, alargou-o e naturalmente perdeu-
o. O poder nunca é, obviamente, eterno. Eterno será... mas só enquanto
dura se é que esta imagem está aqui bem dita.
Deu estes passos até que um dia foi morto pelos poderes institucionais
(colombianos e não só) e, quando isso lhe aconteceu tornou-se um
ícone,uma verdade histórica e um mito tão poderoso que ainda há-de levar
tempo a ser esquecido. Ou talvez outro tanto tempo a ser reinventado.
Parece-nos,aliás, que a História surpreende e é sempre imprevisível. Ou
estarei enganado?
Saudações Democráticas
ANBerbem
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