quarta-feira, 15 de julho de 2020

HISTÓRIAS DA IDADE MÉDIA

                                                O mistério do “cavaleiro verde”
O 'Cavaleiro Verde' na batalha de Tiro, 1187. 'Les Passages d'Outremer'. Foto Wikipedia

Mais de 900 anos atrás, lutou na Terra Santa um cavaleiro espanhol de nome Sancho Martín.
Pelos seus actos corajosos e as suas roupas de cor marcante, os turcos apelidaram-no  de O Cavaleiro Verde ( não confundir com o personagem fictício “Green Knight” do poema do Rei Artur.)
Agora, o livro “El Caballero Verde” com a sua curta história, ganhou o Prêmio Narrativo da Cidade de Logroño, segundo noticiou o jornal espanhol 
“El Mundo”.
E aí começa o mistério.  As fontes históricas de época alguma não sabem dizer quem foi Sancho Martín.
Talvez tenha sido aragonês, navarro ou castelhano, pelo nome Sancho. As fontes árabes atribuem-lhe origem em Castela, mas não se pode ter a certeza.
Apareceu na Terra Santa, no início da Terceira Cruzada, após a perda de Jerusalém (1187) e quando só ficavam poucos enclaves cristãos na costa da Síria.
Tudo parecia perdido para os seguidores de Cristo, quando desceu de um navio um cavaleiro de bravura e liderança inigualada. Ele vestia todo de verde e ostentava uma cornadura de cervo no seu capacete.
Não só as crónicas turcas falam dele, mas foi reproduzido numa miniatura do iluminador francês Jean Colombe para “Passages de Outremer” no século XV.
Santo Eustáquio, Antonio Pisanello (1395 — 1455),National Gallery, Londres
O veado, ou cervo, simboliza a força de virtudes e os seus imensos galhos representam uma coroa que faz a ligação com o céu.
A cornadura do veado era símbolo da mediação entre os mundos terreno e espiritual. E também símbolo da ressurreição, porque ela cai e se regenera a cada ano.
O general romano Plácido, perseguidor de cristãos, fitando os olhos de um veado, teria visto a luz de Cristo e  converteu-se sendo canonizado como Santo Eustáquio. A cena aparece em muitas pinturas medievais.

Em estreita colaboração com o piemontês Conrado de Monferrato, Sancho Martín enfrentou o vitorioso sultão Saladino nas portas de Tiro.
Aliados e inimigos ficaram pasmos. Sébastien Mamerot (1418 – 1478) autor da crônica “Passages de Outremer” narra:
“Nem um dia se passou sem que os cristãos fizessem duas ou três saídas. Eles eram comandados por um cavaleiro da Espanha (...) chamado Sancho Martín.
“Ele usava armas verdes. Quando esse cavaleiro apareceu, os sarracenos correram para vê-lo (...).
“Os turcos chamavam-no de Cavaleiro Verde. Ele levava chifres de veado no capacete”.
A cidade de Tiro foi salva. Esse cavaleiro exibia experiência na luta com os mouros, conhecia as suas táticas e truques e derrotou-os.
Conta-se que antes de partir para a Cruzada foi a Santiago de Compostela para fazer uma oferta ao apóstolo.
Mas, porque adotou roupas tão únicas e até extravagantes?
Saladino abandonou Tiro e voltou ao ataque no ano seguinte visando Trípoli (hoje Trablos, no Líbano). Mas no início do cerco, soube que aquela figura verde saía a campo contra os seus homens.
O sultão que tomou de assalto Jerusalém, que capturou reis, que aniquilou exércitos inteiros e executou centenas de templários, quis  encontrar-se com aquele guerreiro de tanta fama no campo de batalha.
'Passages faiz oultre_mer', Sébastien Mamerot, Gallica, bnf,
Département des Manuscrits, Français 5594
É assim que o mencionado “Passages de Outremer” relata o encontro:
“Depois que eles chegaram a Trípoli e descansaram um pouco, eles fizeram uma saída contra o campo sarraceno, e o Cavaleiro Verde comandou-os.
“Quando os sarracenos viram o Cavaleiro Verde, contaram a Saladino que ele estava lá. O califa enviou um mensageiro convidando-o a visita-lo com a garantia de sua integridade pessoal.
“Ele foi, e Saladino deu-lhe  um cavalo, ouro e prata e recebeu-o com muito barulho (...);
“Saladino disse-lhe que, se ficasse na Terra Santa, lhe daria grandes extensões de terra.
“Ele respondeu que não viera morar com sarracenos, mas que envidara todos os seus esforços para destruí-los e machucá-los o máximo que pudesse.
“Então despediu-se e voltou para Trípoli”.
Há quem garanta que Saladino lhe propôs a conversão ao Islão e até lhe ofereceu uma de suas filhas. Outras fontes dizem que Sancho Martín falou das intenções de resistir até o fim.
Até se diz que  jogaram uma partida de xadrez, gesto com que o Saladino o tratava de igual a igual, embora adversário.
De qualquer forma, o Cavaleiro Verde venceu mais uma vez  Saladino.
O sultão teve que se retirar da cidade e Trípoli permaneceu cristão por mais cem anos, viabilizando a Quarta Cruzada.
Jogo de xadrez simbolizando a guerra
Após esse encontro único, Sancho Martín desapareceu da face da terra. Nunca mais foi visto. Teria morrido nalguma batalha? Voltou para a Espanha? Estabeleceu-se na terra que o tornou famoso? Não há vestígios, narra o premiado livro.
Naquela época houve sucessos de grande porte onde poderia ter-se alistado. Por exemplo, na Quarta Cruzada que ele tornou possível e a desastrada tomada de Constantinopla.
Se tivesse voltado à Espanha, Sancho Martín poderia ter assistido à histórica união que formou o reino de Aragão. Mas, nada.
Quem foi ele ao certo?
Foi lenda? É preciso reconhecer que, diversamente da nossa época, a Idade Média teve homens maiores que as lendas.
Em qualquer caso, a sua figura foi um espelho do homem de seu tempo, esbanjando forças até à exaustão, imbuído de espírito cavalheiresco, fiel a um juramento sagrado.
Sancho Martín, o Cavaleiro Verde, quem quer que seja, foi o homem que derrotou duas vezes Saladino, o guerreiro que ajudou a conter a maré do Islão na Terra Santa.
E entrou na história sem procurar nada para ele, mas dando tudo por Nosso Senhor Jesus Cristo e a libertação de Seu Santo Sepulcro.
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