Os Próximos
Termina esta temporada de crónicas da
DianaFM e partimos para férias. O I Grande Confinamento Mundial, que nos
manteve, de formas diferentes, próximos de uns e longe de tantos, marcou-as. A
situação inédita, de caso de vida ou morte, levou naturalmente a isso. E a
muito mais. Destacaria a vitória da incoerência. Ou melhor, da incoerência como
outro nome para “desculpas”, esfarrapando-as.
Fomos tratando vários assuntos a propósito
do tema da pandemia, tema incerto e gerador de incertezas, audácias,
arrogâncias, coragens e asneiras. Hoje deixar-vos-ei uma reflexão sobre a
proximidade, talvez até para que se perceba como a tal incoerência é tão
pandémica há tanto tempo e pode, por isso, causar danos a quem a descubra com
surpresa e não se resolva com ela.
Ao contrário da incoerência, a proximidade
é uma noção de contornos positivos. “Do bem”, diríamos para sermos melhor
entendidos. Mas será sempre assim? Vamos conhecendo as suas possíveis
definições e os contextos do seu uso ao longo das nossas vidas. Ou das vidas de
alguns. Mais do que a demagoga proximidade alardeada por políticos de ambições
locais ou paroquianas, que são na sua esmagadora maioria sinónimo de cunhas e
jeitinhos, interessa-me agora a proximidade entre concidadãos. Mais: entre
almas que se conhecem, pelo menos de nome, reciprocamente. Interessa-me, para
terminar esta série de crónicas tão marcada pela intimidade do lar, a
proximidade dos que chamamos família, amigos, colegas e conhecidos. Assim, dos
teoricamente mais próximos aos mais afastados.
O I Grande Confinamento mostrou também
quão relativa é essa proximidade. Dos que, pelos laços familiares ou outros (os
jovens em Erasmus, por exemplo), estiveram juntos confinados, terá havido os
mais ou os menos ansiosos por desconfinar juntos, ou a adiar o mais tempo
possível voltarem a cruzar-se numa qualquer esquina. E a proximidade da família
pode ter ganho outro significado, nessa procura do reencontro. É que há os
familiares tipo empresa de eventos, que exercem a proximidade em baptizados,
casamentos, aniversários e funerais, o que não é pior mas de quem não se podia
esperar muito nestes tempos. No lado oposto, há os familiares que sempre foram
de longe, que multiplicaram as videocalls, os grupos de chat, os telefonemas
fora do horário habitual, como se tivessem estado sempre juntos antes, porque
de facto estavam. E foi também com a tecnologia que se pode ter descoberto que
conhecidos se tornaram mais colegas de ocupações e gostos comuns, já que do
zoom à troca de e-mails foi um instantinho. Poderá ter havido colegas que
estreitaram laços e se consideram agora amigos, pois as sessões ao vivo vieram
multiplicar a vontade de manter o contacto que afinal nos mostrou a falta que
faziam as conversas de corredor ou do bar. E, sobretudo, podemos ter descoberto
os amigos que nos faziam muito mais falta do que só o encontro eventual e
cíclico. Enfim, distinguiram-se, nessa presença conquistada ao Grande
Confinamento, outras proximidades que se revelaram afastamentos: os conhecidos
que só merecem o grau básico do civismo de um cumprimento, felizmente agora ao
abrigo da “etiqueta”; os colegas que dispensam o contacto que ocupe espaço e
tempo para além do necessário, roubando-os ao que realmente importa; as
amizades que se revelaram com prazo de validade curto e feitas de matéria
facilmente perecível; os familiares de uma genética tão ténue como uma árvore
genealógica desenhada para um TPC pateta ou uma cabotina busca de um pedigree
perdido.
Talvez estas observações e possibilidades
sejam resultado de incertezas ou de audácia arrogante na análise simplista de
coisas complexas que nem a oportunidade de retiro, para pensar, chegou. Só o
tempo, como com o caminho do Corona vírus, e quase tudo o resto, o dirá. Para
já, desejo o melhor Verão possível a todos – familiares, amigos, colegas,
conhecidos e os nada disto que me acompanharam – e que os próximos (falo dos
textos de crónicas agora) nos encontrem de saúde e com bons ares. Até lá.
Cláudia Sousa Pereira
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